Há coisas que nos esmagam a alma com força de furacão sobre uma folha de papel. Seja pela dimensão desmesurada de naves de pedra finamente trabalhadas dos grandes monumentos, seja pela beleza de jóias, cujo brilho nos ofusca, há algo nelas que nos limita a razão. Ou, pelo menos, gostamos de acreditar que terá sido com esse objetivo que as elites sempre as ostentaram. Não fora por isso e muito nos custaria compreender o contraste, entre a opulência de poucos e a miséria de muitos, evidenciado por cada povo ao longo da sua história. À fome de uns, respondiam com a superior categoria social, atribuída por deus, os outros. Nessa visão, meio demiúrgica, da sociedade, o convívio entre subjugadores e subjugados costumava ser pacífico. Pacifismo que hoje, continuando a assentar neste tipo de manifestações ostensivas, não deixa de cada vez mais se estabelecer a partir de iniciativas simbólicas associadas a nobres causas. Iniciativas, por ventura, mais concordantes com o apregoado espírito de democracia e transparência dos menos democratas e dos antidemocratas, mas que não deixam de ser apenas simbólicas, porque nunca é suposto que resolvam qualquer dos problemas que dizem identificar e mais prejudicam do que ajudam quem alegam defender e representar.
Organizações e iniciativas do tipo “pela verdade”, “pela democracia”, “pela saúde pública”, “pela escola pública” e outras “pelas” igualmente sofísticas que, além da legitimação da sua própria existência, enquanto grupos de particulares interesses, mais não pretendem do que esmagar qualquer alma com a força do objecto de que se dizem defensores. Em boa verdade, pela impossibilidade de delimitar o âmbito e a natureza da alma de cada um, dever-se-ia falar era de tranquilizar consciências. Só que, num tempo em que “agitar” consciências estará mais cotado do que “acalmá-las”, o “esmagar de almas” revelar-se-á muito mais adequado. Basta ver como qualquer anúncio de investigação (matriz justiceira na visão de sociedade dos tais eleitos divinos), de nível mais alcoviteiro do que outra coisa qualquer, aos olhos do cidadão comum engrandece logo qualquer biltre.
Não admira, por isso, que sequestrada pelos mais diversos grupos de pressão, se veja a justiça a braços com apurados mexericos de quem quer exercê-la sem qualquer atributo para o fazer. A braços com gente que sabe que simplificando o complexo e complicando o simples, consegue passar por justo e por defensor da justiça ao saltar-nos, constantemente, à frente. Aliás, se os deixarmos, entram-nos pela casa adentro de manhã à noite e repetem no dia a seguir. Claro que com tanta azáfama, não estarão apenas interessados no que pensamos ou pensaremos sobre determinado assunto e, entre outras coisas, visarão também influenciar eventuais decisões judiciais criando tendências na opinião pública. Nomeadamente, quando o réu é figura política. Nesse caso, condenem-no ou absolvam-no, desde que o façam em contraciclo com o vulgo, os tribunais são de imediato achincalhados. Pois, por sua vez, tal facto terá de continuar a alimentar a imposição da pretensa necessidade da existência dos movimentos “cívicos” e a escorar futuras iniciativas de ataque destes, através da sua desacreditação.
Os “pelas” estas e aquelas com que hoje tratam de nos tentar mobilizar, serão, acima de tudo, os substitutos das naves imensas das igrejas e das jóias sumptuosas de outrora. Só que, em vez de um dia poderem vir a esmagar-nos a alma com a sua magnitude, ainda nos farão é reversar com a sua pestilência de produto estragado.
O novo simbólico das ideologias velhas
“Em boa verdade, pela impossibilidade de delimitar o âmbito e a natureza da alma de cada um, dever-se-ia falar era de tranquilizar consciências. “