O mundo rural carece da agricultura familiar

Escrito por Honorato Robalo

“Perante os escandalosos lucros das grandes superfícies e grupos de distribuição não se compreendem comportamentos inaceitáveis de absoluto sufoco dos pequenos produtores agrícolas por não quererem subir o preço pago à produção.”

Recordo a minha infância e juventude com o contacto direto das potencialidades da agricultura, inclusive as minhas férias escolares na apanha da maçã e pera. Recordo como muitas famílias com algumas cabeças de gado bovino e alguns mais de caprinos sustentaram seus filhos no ensino superior. Além de fonte de rendimento familiar, mantínhamos o povoamento do mundo rural com respeito em muitas dimensões pela biodiversidade; hoje, fruto da massificação das multinacionais do agronegócio, tudo está posto em causa.
Apregoaram no século passado os governos de direita de Cavaco Silva e também ao Presidente da República Mário Soares que Portugal iria produzir alimentos para milhões de europeus. Na ladainha neoliberal as “reformas da PAC” vertiam progresso, infelizmente a dura realidade demonstrou o contrário.
Mais uma vez o PCP tinha razão quando acusava os partidos da política de direita – PSD, CDS e PS –, de implementarem, acordo com as políticas de Bruxelas, regras que, em nome da competitividade, forçaram milhares de explorações, em particular as do leite, a abandonar a sua atividade. No nosso concelho e região teve repercussões em diversas dimensões, mas enfatizo o definhamento de muitas aldeias e as repercussões no encerramento de muitos serviços públicos.
Saliento que o PCP sempre esteve com micro e pequenos agricultores, inclusive nas lutas contra as sucessivas reformas da PAC. Chove-nos a propaganda capitalista em torno da matriz ambiental, mas a dura realidade demonstra as imensas dificuldades colocadas e agudizadas com a pandemia, mesmo com a contínua política agrícola de discriminação da pequena e média agricultura familiar.
O mundo rural tem que manter-se de pé, não com ímpetos de folclore em feiras francas ou fartas, mas com a necessidade de obrigação ao cumprimento de quotas de aquisição de produtos agrícolas em proximidade para fortalecimento da agricultura familiar, dar primazia ao consumo de produção local. Não basta apregoar a importância da vaca jarmelista ou outros produtos autóctones quando depois não há rede de apoio direto ou indireto aos produtores, bem como à interligação com o comércio local e restauração. É também preciso intervir, de forma urgente, para fomentar o processo cooperativo, como acontece com algumas realidades na área vinícola.
Perante os escandalosos lucros das grandes superfícies e grupos de distribuição não se compreendem comportamentos inaceitáveis de absoluto sufoco dos pequenos produtores agrícolas por não quererem subir o preço pago à produção. Além disso há também o aumento escandaloso dos fatores de produção – por exemplo, os fertilizantes já subiram 300% e a alimentação animal mais de 50%.
O caminho que PCP sempre trilhou na luta por uma agricultura familiar, onde os seus filhos e netos possam ser livres e felizes nos campos de Portugal, que constitua um esteio para soberania alimentar e respeito pela biodiversidade, desiderato fundamental para travar o abandono do mundo rural.

* Dirigente do PCP

Sobre o autor

Honorato Robalo

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