O movimento involuntário

Escrito por Diogo Cabrita

“Fernando faz o IRS de muitos “perfeitinhos” e corrige documentos de inúmeros chicos espertos.”

Frenado pela natureza, o Fernando tem orgulho da sua luta. Foram oito irmãos, cada um de seu pai. Foram abandonos e atritos. A escola foi fácil porque Fernando era mais esperto do que o julgavam. Frenava-o o movimento, porque tinha essa maldita Coreia que o ia debilitando. Uns gestos improváveis, os ângulos desajustados, uns movimentos sem cerimónia empurraram-no injustamente para a psiquiatria. Fernando resistiu. Conheci-o revoltado, com a voz demasiado alta, os impropérios demasiado velozes, a acusação incriminatória. Percebi que foi batido, foi submetido a pressão crítica, gozado, segregado. Fernando é exímio em atividades focadas, individualizadas, mas claro que se desconchava atrás de uma bola, claro que se desequilibra no andebol. O piano ajuda a serenar os movimentos, a bicicleta permite-lhe ir depressa. Fernando faz o IRS de muitos “perfeitinhos” e corrige documentos de inúmeros chicos espertos. Engraçado como ele ao chegar assim tosco, meio torre de Pisa a entrar na sala, julgam que é maluco, afastam-se como se tivesse defeito. Temem a diferença. Os tipos que vivem de certificar e construir rotina apavoram-se da falta de normalidade. Um homem rico vestido de mendigo. Um atleta de excelência que engorda. Um ladrão que chega a polícia. O cientista que se move numa cadeira de rodas. O Fernando que bamboleia com a sua Coreia de Huntington, os gritos de algum Síndrome de Tourette, os movimentos involuntários do espasmo hemifacial assustam a normalidade. Como assusta ver um bando de crianças drogadas numa esquina de S. Paulo. Como rejeitamos a menina que se machuca. Muitos dos filmes “do fantástico” debruçam-se sobre este medo e desconfiança do normal. Se Fernando estiver num banco, as pessoas escolhem o outro balcão. Escolhem mal porque ele é sabedor e inteligente e sabe o que faz. Pensam mal porque o ladrão será um outro colega ou o gerente, e ele menos – porque o vigiam mais. A diferença é tramada!

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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