O meu pai recebia o “Jornal do Fundão” e “A Defesa”, de Évora. O primeiro era já uma referência cívica, dirigido pelo inabalável António Paulouro. O segundo era um jornal católico ligado ao seminário de onde o meu pai tinha fugido. Por outro lado, numa tasca vizinha havia sempre o “Jornal de Notícias” e o “Comércio do Porto”, que chegavam em forma de rolinho que o revisor deitava abaixo do comboio. A minha tia comprava religiosamente a “Crónica Feminina” e eu entusiasmava-me a ler artigos sobre mulheres “perfeitas”, capazes de tratar dos filhos e do marido e ainda do cão e do gato. Para além do mais tinha belas ilustrações muito estimulantes. Portanto, basicamente, lia todos os jornais e revistas que estivessem à mão de semear. E lia tudo, do princípio ao fim (tem graça, começava pelo fim!). Era (e sou ainda) um leitor compulsivo.
Mais tarde, ajudei a editar jornais no liceu e fora dele, por exemplo, na Casa da Cultura da Juventude. Nalguns deles iniciaram-se na escrita várias pessoas que agora se destacam no plano nacional (saúdo o meu antigo colega António José Teixeira). Confesso que o jornal da cidade (“A Guarda”) nunca me seduziu, dito de outra maneira, só me interessava pelas crónicas de Abílio Bonito Perfeito. Preferia espreitar o “Amigo da Verdade”, por causa das anedotas. Porém, sempre desejei que a cidade tivesse um jornal de… notícias, e que fosse isento e imparcial. Portanto, era evidente que seria necessário criar uma alternativa ao conservador “A Guarda”. Por essa razão colaborei com o novel “Notícias da Guarda” (Helder Sequeira/ Álvaro Guerreiro) e, mais tarde, na criação do “Terras da Beira” (Virgílio Ardérius). No TB participei ativamente (talvez até em demasia) na sua afirmação inicial, publicando artigos de opinião, reportagens, retratos, entrevistas, crónicas e até rubricas de humor (numa terra com tanto pouco humor!).
Aquela intensa colaboração, para além de grande prazer e entusiasmo, trouxe-me dois prémios nacionais ( “Prémio Gazeta de Jornalismo-Imprensa Regional” e “Prémio Imprensa Regional”, pelo Clube de Jornalistas do Porto). O conjunto de crónica/ retratos chegou a ser editado em três livros “Património de afectos”, “Ir ao nascedoiro e outras histórias” e “O mundo dos outros”. Numa terra onde a inveja e o ódio estavam na ordem do dia, a minha colaboração com o TB trouxe-me grandes problemas, que se estenderam a aspetos da minha vida profissional. Nada que agora me tire o sono.
Quando surgiu O INTERIOR olhei para o projeto com natural expetativa. Ao fim e ao cabo o TB precisava de ser desafiado, de ser confrontado com algumas fragilidades. Nunca pertenci ao lote de colaboradores de O INTERIOR nem fui um leitor fiel do jornal, apesar de seguir com atenção o que alguns amigos escreviam. Ao longo dos anos tive uma relação conflituosa com o jornal e o seu diretor, talvez porque exijo demasiado dos meus amigos e, até, dos meus ex-amigos (Luís Baptista-Martins foi, realmente, meu amigo em determinado tempo). Outras vezes, ficava contente com as vitórias do jornal e com a coragem que, nalguns casos, mostrava.
Tal verificação do passado não me impede de reconhecer o grande contributo que O INTERIOR tem dado para o debate sobre o desenvolvimento da cidade. Estarei sempre ao seu lado quando for ameaçado ou menosprezado. A existência de jornalismo livre é uma condição sine qua non para construir uma cidade plural, em que os cidadãos são entendidos como protagonistas do presente e do futuro.
Parabéns ao jornal O INTERIOR pelo seu passado. E, sobretudo, fica o desejo de que continue a prestar um relevante serviço à Guarda e região.
San Bernadino (Paraguai) – 5 de março de 2020