O ilusionista, os equilíbrios, o pasto e a caridadezinha

Escrito por Jorge Noutel

“O poder de compra dos portugueses cairá abruptamente para níveis miseráveis, devendo, só em 2022, cair cerca de 12%. Ou seja, um trabalhador vai perder um mês de salário. A esmola de 125€ não passa, por isso, de um insulto!”

Qual ilusionista de casa de pasto, Costa anunciou, finalmente, e só porque tinha mesmo de ser por muitos outros países o terem já feito há bem mais tempo, os «ditos apoios» às famílias.
Uma apresentação triste e ilusória, com Costa a mentir e a aldrabar a torto e a direito acerca de medidas avulsas, hipócritas e nojentas. Dar aos cidadãos com rendimento bruto mensal até 2.700€ uma esmola única, ou seja, paga só uma vez em outubro, de 125€, num ano em que a inflação esperada em Portugal será de 9%, é o mesmo que dar a um astronauta uma garrafa de litro e meio de ar para ir à lua e voltar. O poder de compra dos portugueses cairá abruptamente para níveis miseráveis, devendo, só em 2022, cair cerca de 12%. Ou seja, um trabalhador vai perder um mês de salário. A esmola de 125€ não passa, por isso, de um insulto!
O pagamento único, em outubro, de 50€ por criança/ jovem independentemente do rendimento da família, coloca o filho do administrador da Sonae e o do operador de caixa ao mesmo nível de necessidade, esquecendo que só o regresso às aulas pode custar, em média, em material escolar, entre 350 e 600 euros, para o ensino básico e para o secundário, respetivamente.
A medida de adiantar aos reformados um suplemento extra equivalente a meio mês de pensão em outubro significa, na prática, que em 2023, em vez do esperado aumento em linha com a inflação, vão ter aumentos menores, os quais servirão, por sua vez, de base para o cálculo da atualização das pensões em 2024 e anos seguintes. Na verdade, perspetiva-se o maior corte nas pensões que alguma vez houve. Nem no tempo do Passos Coelho tal aconteceu!
A lei, mais uma vez, é adulterada por um mentiroso. Para ficar claro este enorme “roubo” que o governo pretende fazer aos pensionistas da Segurança Social e CGA, comparem-se os aumentos que estes teriam nas pensões em 2023 de acordo com a Lei 53-B/2006 com os que o governo anunciou. Segundo a Lei, que o governo não quer aplicar, uma pensão até 938,96€ teria um aumento de 6,3%. Segundo o incumprimento da mesma lei por parte do Governo o aumento será de 4,43%. Uma pensão com valor superior a 938,96€ até 5.318€ teria, segundo a lei, um aumento de 5,97%, mas, segundo o governo, ao não cumprir a lei, o aumento será de 4,07%. Já as pensões superiores 5.318€ teriam, ainda segundo a lei, um aumento de 5,43% mas o governo só quer aumentar 3,53%. Isto significa que com o não cumprimento da lei um pensionista que hoje aufere 886€ perderia, se viver 15 anos, qualquer coisa como 2.659€. Uma brutalidade de roubo! Mas se, em 2022, um pensionista auferir 1.500€ perderá, ao fim dos mesmos 15 anos, qualquer coisa como 4.574€. Monstruosidade!
A anunciada redução do IVA da eletricidade de 13% para 6% só se aplica a consumidores do 1º escalão, uma ínfima parte da população portuguesa, e surge como a excelência da propaganda. O mesmo acontece com a alegada possibilidade de se poder mudar para o mercado regulado do gás, que continua por regular! E tudo isto para uma poupança de 1,1€.
Do mesmo modo, a suspensão da taxa de carbono e a devolução aos cidadãos da receita adicional de IVA nos combustíveis assumem contornos de engodo num contexto em que encher-se um depósito de 50 litros custa 8% do salário médio português. O travão de 2% no aumento das rendas em 2023 ameaça lançar para as calendas as boas intenções de compensar fiscalmente os senhorios. Por outro lado, o congelamento do preço dos transportes torna Portugal ainda mais desigual, já que se esquece que há muitos locais onde eles nem sequer existem.
Isto é a forma mais falaciosa e demagógica de se pretender estar-se a fazer alguma coisa para se ajudar quem precisa. O objetivo, esse, o verdadeiro, é de que tudo fique essencialmente na mesma. Vai aumentar desmesuradamente o número de famílias a recorrerem à caridadezinha de certas instituições. E lá estará o inútil a fingir compaixão e a distribuir sorrisos, como se a miséria se vencesse com tal atitude de circo. De facto, nem é vencida nem combatida. Apenas representações ridículas de um profissional da manipulação e da política mais rasca. O pagamento é que ficamos de ser salvos pela santa caridadezinha! E ainda se vem falar de equilíbrios?
Como disse Matéi Visniec, «A vida não tem equilíbrio, só equilibristas» e Costa é um deles.

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Jorge Noutel

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