Um e outro são a mesma pessoa, e bem famosa nos finais do séc. XIX, princípios do séc. XX. Em Coimbra era “O Gasolina”, célebre pela sua paixão pelos automóveis, pelos seus conhecimentos técnicos numa área ainda a dar os primeiros passos e pelo pânico que a sua condução por vezes causava.
Na região da Guarda e do Sabugal era o sr. Morgado de Santo Amaro, rico proprietário da enorme e fértil Quinta de Santo Amaro, no Casteleiro, onde se vieram a descobrir as águas mais radioativas do mundo. Na verdade, era filho do último morgado.
Tavares de Melo
José Caetano de Tavares de Melo Costa Lobo, filho de Eduardo Tavares de Mello da Costa Lobo (Santo Amaro) e de Eugénia da Conceição Peixoto Brandão (Porto), nasceu a 02/11/1876 na Quinta de Santo Amaro, Casteleiro, Sabugal.
Os automóveis
Teria sido o pai (Eduardo) a transmitir ao filho (José) a paixão pelos automóveis, quando em 1897 importou diretamente um Peugeot, sendo a sétima viatura a entrar em Portugal e a primeira com pneus.
O primeiro foi trazido pelo conde Jorge de Avilez, em 1895. Atingia uns incríveis 15 quilómetros por hora, em boas estradas, é claro. A inovação era tão grande que os serviços alfandegários não sabiam como classificar aquela mercadoria.
Em 1902, José Caetano Tavares de Melo funda em Coimbra uma casa especializada no comércio de automóveis. Era a empresa Leão, Moreira & Tavares, Empresa Automobilística Portuguesa, da qual era sócio-gerente e diretor técnico. Obteve a representação da marca de automóveis Darracq e das motos Werner e assumia um papel de pioneirismo na comercialização automóvel, sobretudo através da publicidade, o que lhe veio a conferir um verdadeiro protagonismo, associado, muitas vezes, ao estabelecimento de recordes, que seduziam o público. Isto, ainda antes da fundação do Real Automóvel Clube de Portugal. Por razões várias, em princípios de 1905 a empresa sofre uma mudança radical na sua composição social, dela nascendo a Tavares de Melo,que continuou a importar e comercializar a marca Darracq.
A primeira prova desportiva de automóveis e motos em Portugal
Realizou-se em 1902, num circuito improvisado no Hipódromo de Belém, organizado pelo Sport Club, para obtenção de receitas a favor da Assistência aos Tuberculosos, instituição protegida pela rainha Senhora D. Amélia. Tavares de Melo, ao contrário do que seria de esperar, optou por participar na corrida de motas com uma Werner.
Dessa prova, informava “O Século” que «…tomaram parte seis máquinas, ganhando o primeiro prémio o Sr. Dr. Tavares de Melo, distinto sportsman de Coimbra, que ganhou por uma volta aos seus antagonistas». E o “Diário de Notícias” dizia que os “chauffeurs” «se houveram com galhardia, sobressaindo, todavia, o dr. Tavares de Mello…».
O prémio foi conferido pelo dr. José Aragão da Vitória, dono da Quinta da Ponte, na Guarda, e que viria a ser assassinado pouco depois (1908) pelo seu sobrinho, Pedro de Aragão, da Guarda, conforme relatei n’ O INTERIOR de 14/04/2021.
A corrida Figueira da Foz-Lisboa
Foi o primeiro grande acontecimento automobilístico em Portugal. Entre os concorrentes para esta prova internacional estava Tavares de Melo. Contratou o piloto profissional J. Edmond, que tinha acabado de vencer uma etapa do Paris-Viena, e juntos num Darracq de competição, desenvolvido pela própria fábrica, foram fazer o levantamento do percurso, mas com várias avarias foram obrigados a jantar na Azambuja. A partir daí a situação foi quase caricata, como lembra Tomaz de Melo.
«Depois de jantarmos, meti Edmond no comboio-correio para se dirigir à Figueira. Recomendei-lhe que dormisse para poder descansar, e pedi ao condutor do comboio que o acordasse em Alfarelos, para mudar de comboio para a Figueira da Foz e tomar a partida da corrida. O condutor esqueceu o meu pedido e Edmond foi parar a Coimbra». Perante esta adversidade não exitou. Agarrou no Darracq, e abalou até Coimbra, onde Edmond tomou conta do volante. Chegou a Lisboa com grande avanço, mas a vitória foi atribuída a Bordini, um piloto italiano contratado pelo Infante D. Afonso, filho de D. Luís e Dona Maria Pia, porque o piloto francês não efetuou todo o percurso. A controvérsia da decisão foi grande, chegando a França, pois o automóvel tinha vindo especialmente para esta corrida e tinha despertado a atenção dos jornalistas.
O circuito das Beiras
Enxovalhado, embora tenha sido um dos sócios fundadores do recém-criado Real Automóvel Clube de Portugal, nunca perdoou o sucedido a alguns dos seus dirigentes. Por isso, vai organizando várias provas automobilísticas e de motociclos, mas sempre com o sonho de uma grande prova que ofuscasse a Figueira da Foz-Lisboa.
Assim, nasce o Circuito das Beiras, que faria a ligação em três etapas, entre Coimbra-Castelo Branco, Castelo Branco-Guarda e Guarda-Coimbra, totalizando 440 quilómetros. De grande impacto no país, mas sobretudo nas regiões do percurso, a vitória coube a Tavares de Melo, sem surpresa.
Bateu vários recordes de estrada, nomeadamente Guarda-Coimbra, em 1903. Em 1907 tentou criar a sua própria marca, a Tavares, baseada na Darracq, fabricando viaturas mais adaptadas às nossas “estradas”. E já antes, em 1905, tinha lançado a sua moto Tavares. Comercializou também camiões, pelo menos vendeu um da sua marca à empresa de têxteis Matos & Cunha, de Manteigas.
Foi graças ao espírito empreendedor, talvez visionário, do bacharel em Direito (1893), mas “doutorado” em mecânica, que o automóvel deu um salto perante a sociedade portuguesa. De Tomaz de Melo, que quase já ninguém conhece, conta-se que tendo ido à Bélgica de automóvel, cansado de nada entender de flamengo, terá dito: «Aqui me ladram, além me mordem… Vou, mas é para a minha terra». Venham mais visionários empreendedores!