É a segunda vez que num dos meus zappings de TV de fim de noite, seleciono o canal que está a transmitir um jogo de futebol do campeonato da Arábia Saudita, algo impensável para mim até há pouco tempo e impraticável para as estações de televisão europeias. Nos últimos anos, o mediatismo e o interesse do futebol centrou-se maioritariamente na Serie A italiana, na La Liga espanhola e na Premier Ligue inglesa, sem contar, obviamente, com a febre dos respetivos campeonatos nacionais de cada um dos países.
Mas, ou muito me engano ou a nossa “mood” vai mudar rapidamente e a vetusta Europa do futebol arrisca-se a perder centralidade e relevância. A ida de Cristiano Ronaldo para o Al Nassr há cerca de 10 meses inaugurou uma nova abordagem nos hábitos de consumo de futebol, e o nosso capitão, mesmo sem o fulgor de outros tempos, acaba por inaugurar esta nova página no mundo do desporto rei. Depois dele, outros grandes jogadores deixaram a Europa e tiraram o passaporte para aquele país árabe: Benzema, Mahrez, Fabinho, Neymar, Mané, Otávio, Ruben Neves, Kanté, entre outros. Leonel Messi foi uma exceção, mas mesmo sem jogar na Liga saudita, não deixou de celebrar um contrato de três anos com aquele país para o divulgar nas suas redes sociais.
Nas motivações destes magos do futebol não está a competitividade ou a qualidade do desporto que por lá se pratica. Está apenas o valor inestimável e inesgotável dos milhões do petróleo, que a Arábia Saudita exporta à razão de quase 300 mil milhões por ano, e cujo lucro lhe permite contratações estratosféricas de jogadores e apostas desportivas estratégicas para ganhos nos domínios políticos, diplomáticos e de reputação internacional muito difíceis de igualar por outros países e até por alguns continentes. Já foi assim no golfe, onde o Fundo Soberano daquele país investiu milhões e conseguiu “engolir” o prestigiante circuito PGA, com o qual se fundiu. Foi também assim na F1, que desde 2021 não resistiu a incorporar no seu calendário anual o perigoso circuito saudita, onde a probabilidade de se sucederem acidentes e incidentes soçobra perante o poder mais forte do ouro negro. E está a ser assim no ténis, com os sauditas a darem tantas cartas nesta modalidade que a nova coqueluche desse desporto a nível mundial, o espanhol Carlos Alcaraz, já disse que no futuro é certo que irá jogar naquele país do Médio Oriente, o qual está a um passo de acolher as ATP finals.
No futebol, é improvável que o poderio saudita não venha também a impor-se, até porque a principal beneficiária dos milhões que por lá turbilham será a FIFA, que prevê aumentar o seu volume de vendas em cada quatro anos de sete mil milhões para dez mil milhões de dólares. Como pode a Europa e a América do Sul, os continentes com os maiores laboratórios de talentos, combater esta fortaleza do dinheiro do Rei Salman? Já há por aí uma ideia, mas desconfio que não seja eficaz. A ideia é que nas contratações de jogadores por clubes europeus seja introduzida uma cláusula anti arábica por forma a que, se eles saírem para outro clube, a rescisão é, por exemplo de 300 milhões, mas se esse clube for saudita essa cláusula aumentará para 500 milhões…! Para além de ser de legalidade duvidosa, este desesperado caminho esquece que os sauditas têm capacidade para pagar o que querem, como querem e quando querem.
Mais, se quando “à vontade de comer se junta a fome” de muitos dos clubes europeus – dos portugueses então nem se fala – e se há números que podem mudar a vida de muitos clubes e jogadores, é difícil que os barris de petróleo não sejam os novos donos do futebol mundial. O poder é mesmo de quem mais ordena e não tarda estamos todos a seguir com atenção as prestações dos inomináveis clubes de futebol das Arábias e a ouvir o nosso Jorge Jesus a dar mais uns pontapés no português. Nada disto é muito grave, mas lá que o mundo parece estar a inclinar-se para o Oriente, lá isso parece. E por mais que se acusem alguns governos daquelas latitudes de promoverem prisões, torturas e execuções de opositores, de limitar o direito das mulheres, de criminalizar a homossexualidade e de violar os direitos humanos, as torneiras de petróleo continuarão a ditar as suas regras e a fazer milagres. É a humanidade igual a si própria.
* Advogado e presidente da Assembleia Distrital do PSD da Guarda