Entre as “causas” que mais tempo sempre me ocuparam, a regionalização foi porventura aquela a que mais reflexão dediquei.
Quando era mais jovem aprendi que Portugal era uno, tinha as fronteiras «mais antigas da Europa» e a sua força era a unidade “nacional”. Assunto encerrado: não fazia sentido regionalizar. Nos Açores chegou a haver um movimento independentista, mas na verdade o que queriam era chamar a atenção sobre a insularidade. E na Madeira o grito independentista era essencialmente para conseguir dinheiro para melhorar a vida dos madeirenses. Tudo legítimo e razoável.
Confesso mesmo que quando comecei a ler Eduardo Lourenço cheguei a sentir e a defender uma vocação iberista. Mas depois, depois fui viver para o País Basco e percebi que a identidade cultural leva à autodeterminação dos povos e que, mesmo quando defendemos viver numa comunidade supranacional, como a Europa (ou Espanha), temos de defender em primeiro lugar o nosso território, o sítio de que gostamos e onde queremos viver no futuro – nós e os nossos. Pode parecer bacoco, localista, provinciano ou bairrista, mas o que mais me pode preocupar do que defender o sítio onde vivo? Mesmo quando sei que o bem comum é o meu bem; mesmo quando defendemos o país, é a todos os portugueses que defendemos; e mesmo quando defendemos o planeta todo, é a humanidade que defendemos, é o nosso futuro que defendemos – mas quando interpreto que quando defendemos a comunidade, é a mim e aos meus que defendo…
Depois de tantas reflexões sobre o mundo, sobre a Europa, sobre a Ibéria ou sobre Portugal, do que eu gosto mesmo é da minha região, da minha terra. Não por falta de mundo ou sequer de mundividência, mas porque em primeiro lugar temos de defender o nosso meio, o nosso território, as nossas aldeias, vilas e cidades – aquelas onde vivemos e as que têm problemas e realidades análogas à nossa. Não é bairrismo ou pequenez, é a grandeza de defender a região onde vivemos e onde queremos viver. É regionalismo, sem ser provincianismo. É defender o que é nosso e a que queremos dar futuro. É ser resiliente e corajoso, é ser criativo e lutador, porque só assim podemos influenciar o futuro, o nosso e o da nossa comunidade. Sou regionalista. Não tenho qualquer interesse político-partidário (nunca tive, nem quero ter), ainda que intervenha civicamente e defenda, como os que mais defendem, a nossa região – e como poucos!
Infelizmente, a regionalização, constitucionalmente definida, foi sempre adiada pela mentira e o medo dos políticos. Neste momento estamos perante a constituição de macrorregiões, definidas por interesses orgânicos e planos territoriais impostos pela Europa. Vão avançar. Nós estamos na região Centro. Uma coisa acéfala, diversa e com poucos problemas ou virtudes em comum. Ainda assim, admito que possa ser um caminho… Estranho que demore tanto a institucionalizar e, pior, que esteja prevista, sem discussão pública e sem participação direta dos cidadãos. Vai haver mesmo uma assembleia eleitoral, que deverá ser constituída pelos presidentes de Câmara (o Centro tem 100) que escolherá uma liderança, sem haver debate e sufrágio universal – como se vê pelas comunidades intermunicipais, um erro colossal: o amiguismo, o carreirismo e a escolha entre iguais, longe do debate e da cidadania.
Defendo cada vez mais as pequenas regiões, com problemas comuns, com desígnios e ambições semelhantes, com identidade própria. Acredito cada vez mais na identidade distrital – o distrito da Guarda, entre o Côa e o Dão, entre o Douro e a Serra da Estrela. Entretanto, o distrito da Guarda vai ser mais uma vez retalhado, pelas mudanças de orientação na Justiça e a “transferência” de 12 concelhos do Tribunal Administrativo de Castelo Branco para o Tribunal Administrativo de Viseu. Uma imbecilidade que os nossos autarcas não contestam e a cidadania aceita em silêncio. Mais um golpe na nossa comunidade. Mais um murro no estômago de 170 mil pessoas que vivem neste distrito e terão de resolver as suas diferenças administrativas e fiscais nos distritos vizinhos. Defender a regionalização é isto: é exigir a integração regional dos serviços descentrados. É defender um Tribunal Administrativo e Fiscal para a Guarda para as empresas e pessoas dos 14 concelhos do distrito tratarem dos seus assuntos aqui. É não continuar a pactuar com a transferência de serviços para outras localidades. É não admitir mais facadas no âmago na nossa resiliência e direito a viver na nossa terra.