O complicómetro

Escrito por Diogo Cabrita

“A tolerância é uma capacidade que se esgota e mede-se em horas de enfrentamento a um complicómetro.”

É um processo que está diretamente relacionado com pilares normais e por essa razão constrói uma distrofia que à luz do dono é normal, mas não é. E quais são os pilares normais? Ansiedade, expectativa, risco/benefício, custo. Assim, quando uma pessoa vai a uma loja de produtos naturais, ou uma farmácia, ou a uma consulta, leva a expectativa de resolver um problema, o desejo de corrigir com baixo risco um desagrado, teme os custos do tratamento, está com alguma ansiedade pela decisão tomada e o tempo e risco que lhe vai causar. Aqui nasce o complicómetro: as inúmeras dúvidas que surgem do medo e fazem duvidar do interlocutor, transportam para o terreno da consulta as conversas dos vizinhos, os saberes bacocos da literatura de revista e palpites de televisão. Uma dor pós-operatória pode despertar o maior dos complicómetros. Uma cicatriz pode elevar à décima potência uma ansiedade. Já me aconteceu enfrentar varizes que mal consigo perceber. Já me ocorreu ouvir queixas de horas para problemas que duram segundos. Para além destes há os complicados que estão de dedo acusador para toda a gente. Há os acusadores sem defeito. Eles fazem tudo bem e tudo lhes sai fácil. Os outros não. Mal-intencionados, ladrões, gente de subterfúgios. Todos os querem enganar, todos lhes dão gato por lebre. Desconfiam do restaurante, da companhia de aviação, da limpeza do hotel, do médico, da injeção do enfermeiro. O complicómetro é epidérmico, está ali para levantar suspeita e conduzir à litigância. Ter um vizinho destes é tremendo. Ter no condomínio uma pessoa assim é cansativo. A tolerância é uma capacidade que se esgota e mede-se em horas de enfrentamento a um complicómetro. O “vá à merda!” É o momento de quebra! Tudo se destrói naquele desabafo. Ouviu, sugeriu, interpretou, referenciou, mas nada acalma o queixume, a condimento de má-fé, o dedo apontado, o dedo no ar, o olhar desconfiado, aquela tristeza desapontada. Não ficou como eu queria! Não está bem! Não me sinto bem! Não estou satisfeita! De um lado o dever cumprido e a aparência da cobrança de uma tarefa que parece bem, do outro um estado semelhante a tudo o que se fez antes, mas no final um cliente sempre insatisfeito. Ele pode ter razão! Pode! Mas a verdade é que nos complicómetros mais aguçados não se comprova nada: o problema é a expectativa defraudada. O ideal é detetar este género humano antes de aceitar ser-lhe útil, ou vender-lhe um objeto, ou fazer-lhe um trabalho. O problema é que esta característica não está na testa, mas está na voz, na forma de colocar perguntas, na ansiedade do olhar. Eu cheiro-os e evito-os o mais que posso.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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