O comboio da morte

Escrito por Francisco Manso

“É o último comboio a sair de França com destino aos campos da morte, e será também um dos mais mortíferos, daí que tenha ficado conhecido como o “Comboio da Morte” ou “Le Train de Loos”.”

O comboio de Loos deixa a estação de Tourcoing no dia 1 de setembro de 1944, enquanto os alemães evacuam Lille. É o último comboio a sair de França com destino aos campos da morte, e será também um dos mais mortíferos, daí que tenha ficado conhecido como o “Comboio da Morte” ou “Le Train de Loos”.
Entre os passageiros, 98% dos quais são franceses, vai um português: Benedito da Costa Araújo, natural da Rapa, Celorico da Beira. Rapa, terra serrana e rude, onde reina, contudo, a poesia. Quem a canta é a “Poetisa da Beira”, Dona Maria José Furtado Mendonça.

1. Igreja Matriz Da Rapa

1. Igreja Matriz Da Rapa

A família Costa Araújo

José da Costa Araújo, natural de Melo, casou na Rapa, com Maria Pereira do Rosário, em 1877.
José e Maria, entre outros filhos, tiveram Francisco, nascido a 13 de março de 1899, na Rapa. Casou com Maria Augusta Genoveva, em 1921, e, pouco depois, o casal decide emigrar para França, para a zona de Pas de Calais, onde Francisco irá trabalhar como mineiro. Com eles levam já um filho, Benedito.

2. Benedito Da Costa Araújo

2. Benedito Da Costa Araújo

Genoveva morre ainda muito nova, com 32 anos, no último parto, e Francisco, depois de ter voltado a casar, morre em 1976, no Pas de Calais.

Benedito da Costa Araújo

Benedito da Costa Araújo, primogénito de Francisco e Genoveva, nasceu na Rapa, a 1 de outubro de 1922, mas parte, pouco depois, acompanhando os pais, para França.
Em 1939 a França é invadida pelos alemães e o jovem Benedito, que entretanto tinha adotado o nome de Benoît, é cabeleireiro em Sallaumines.
Em março de 1942 juntou-se aos Francs-Tireurs et Partisans Français, organização ligada à Resistência Francesa, onde recebeu o pseudónimo de “Jacques”. Começou por distribuir panfletos e colar cartazes apelando aos trabalhadores franceses para reduzirem o rendimento do seu trabalho para a máquina de guerra alemã.
Nos começos de 1943 foi enviado para o campo de aviação de Estrée-Blanche, onde em novembro desse ano provoca várias explosões e rebenta as instalações elétricas.
Participa em sabotagens de vias férreas e, em maio de 1944, consegue obter informações sobre a data de partida e percurso de um comboio de armamento, permitindo que a aviação britânica o bombardeie.
Chegou a ter a seu cargo uma companhia com cerca de 130 resistentes e será reconhecido com a patente de tenente, pela sua participação no combate ao nazismo.
Em junho desse ano, na sequência de um combate com os alemães, perdeu dez camaradas e 22 foram feitos prisioneiros, e posteriormente fuzilados em Arras. Os alemães teriam perdido 60 homens, incluindo um comandante. Ele, à sua custa, matou três alemães. Pouco depois, a 25 de junho de 1944, quando se dirigia a uma reunião do Estado-Maior da Resistência, é preso.
Depois de interrogado e torturado pela Gestapo, e de ter passado por várias cadeias, foi condenado a trabalhos forçados perpétuos pelo Tribunal Militar Alemão por alta traição e sabotagem.

O comboio de Loos

Este célebre comboio será o último a deixar a França, tendo como destino os campos de concentração nazis.
Alguns dos cerca de 1.300 passageiros amontoados nos vagões, entre os quais Benoît, são prisioneiros políticos, mas a maior parte pertence à Resistência. Ironia do destino, alguns prisioneiros são salvos porque o camião que os levava teve um furo e perdeu o comboio…

3. Carregamento De Um Comboio Nazi

3. Carregamento De Um Comboio Nazi

Chega a Colónia a 3 de setembro de 1944 e a maior parte dos prisioneiros são destinados à desminagem das vias férreas, na Alemanha. Depois, são internados em diferentes campos de concentração: Oranienburg-Sachsenhausen, Dachau ou Buchenwald.
Benoît foi deportado para o bloco disciplinar do campo de Sachsenhausen, a seguir é enviado para o campo de Neuengamme e já no final da guerra para Sandbostel, um campo de prisioneiros de guerra. É libertado pelo exército britânico a 28 de abril de 1945, sendo um dos 130 sobreviventes.

O reconhecimento

Regressa a França, e casa com Antoinette João, em 1948. Com graves problemas de saúde, o governo francês atribui-lhe uma generosa pensão de invalidez.
Mas o maior reconhecimento pelo valor e a coragem do serrano da Rapa, «que participou arduamente na luta clandestina durante a ocupação pelo inimigo, foi detido e deportado e suportou corajosamente a dura provação de uma longa detenção», foi a condecoração com a Cruz de Guerra.
Faleceu a 19 de dezembro de 2002

4. Coincidências

4. Coincidências: Um baloiço panoramico em rapa e uma forca nazi

Nota: Os números apresentados diferem, por vezes, conforme as fontes.
Referências: Yves Le Maner, «Le Train de Loos. Le grand drame de la déportation dans le Nord-Pas-de-Calais»; Anne-Marie Bouvart: “L’Amicale du Train de Loos”; Arquivo Distrital da Guarda; “O Lusojornal”; Patrícia Carvalho, “Público”

*Investigador da história local e regional

Sobre o autor

Francisco Manso

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