O dia 22 de junho de 1911, vésperas de S. João, foi um dia grande para a Guarda. Foi inaugurada uma nova casa de espetáculos, mas que não era uma casa qualquer, tratava-se do grande e majestoso Coliseu da Beira. Era tão imponente que enchia de orgulho e dava sentido de esperança e de progresso às gentes da Guarda. Afinal, qual era a cidade que dispunha de uma casa assim? Um coliseu!
O cinema dava ainda os primeiros passos, mas já simbolizava o progresso e um futuro melhor, que todos queriam para a cidade e a região, aos quais se queriam associar.
O cinema em Portugal
A introdução do cinema em Portugal coincide com o final da monarquia, um período conturbado política e socialmente, mas também de grandes inovações tecnológicas.
O início do cinema português deve-se, essencialmente, aos esforços do portuense Aurélio Paz dos Reis, mas é a Edwin Rousby que se devem as primeiras sessões de cinema em Portugal. Foi a 19 de junho de 1896, no Real Colyseu, em Lisboa. O primeiro espaço dedicado exclusivamente aos espetáculos de cinema foi o Salão “Ideal”, em Lisboa, em 1904. Seguiram-se outras salas, quase todas de vida efémera.
O Chiado Terrasse, em 1908, foi o primeiro destinado de raiz a cinema, mas era um “Animatógrapho ao ar livre”.
O Coliseu de Lisboa, ou dos Recreios, foi inaugurado em 1890, mas só mais tarde passou a sala de cinema. Com 2.447 lugares era, de longe, a maior do país.
O cinema na Guarda
A primeira casa destinada expressamente a cinema foi o Cynematographo da Guarda. Abriu em 1909 e ficou instalada na Praça Municipal, num local onde virá a ficar a “Sopeixe”, a primeira empresa da região a comercializar produtos congelados. Tinha teto de lona e piso de terra batida, mais tarde substituído por tábuas de soalho.
Para animar aquelas “fotografias com vida”, mas sem som, o Animatographo da Guarda, outra das suas designações posteriores, e que tinha reaberto em novembro de 1910, contratou um sexteto da Academia Musical da Guarda. Passados alguns anos entrou em declínio e encetou uma digressão pela província, que afinal também merecia os favores da tecnologia e, sobretudo, era menos exigente.
Em 1910, quase paredes meias, abriu o Kynematographo High-Life, de vida efémera. Ainda nesse ano foi constituída a Vitória & Cª, com o objetivo de explorar um animatógrafo, será o Terrasse Halley. Já dotado de melhores condições, ficava num quintal da Rua Marquês de Pombal, próximo do local onde agora se encontra a “Casa Véritas”. Representou um salto qualitativamente importante nas casas de cinema da cidade, sendo as sessões animadas pelos pianistas Miguel Redondo, D. Juan Redondo e, mais tarde, D. Eduardo Morenilla.
Em 1917, o velho Teatro dos Bombeiros Voluntários foi vendido em hasta pública e adquirido por José de Sousa. Mudou-lhe o nome para Teatro Egitaniense, curiosamente a sua designação inicial, e depois de algumas melhorias abriu no ano seguinte, mas já como cinematógrafo. Terá encerrado definitivamente em 1928, certo é que em 1937 o seu proprietário arrendou o prédio e nele veio a ser instalada uma oficina de automóveis.
O Coliseu da Beira
Em 1911, a sociedade que explorava o Terrasse Halley foi dissolvida e dois dos seus antigos sócios, Júlio Teixeira de Simas de Sousa Leite e Álvaro Pereira d’Almeida, vão constituir, juntamente com António Augusto Proença Júnior, a Proença Júnior & Cª, uma outra empresa, mais ambiciosa, destinada à exploração de uma casa de espetáculos.
Será uma casa bem diferente das outras que a Guarda já tinha tido. Para além da projeção de películas cinematográficas, também ali podiam ser apreciados espetáculos de circo e representações teatrais.
Dizia, na altura, o jornal “A Actualidade”, dirigido por Augusto Gil, que era «uma casa d’espectáculos ampla mais que bastante para o crescente desenvolvimento da população e d’uma elegância e conforto que nada faz invejar ás que, no género possuem outras de mais intensa vida e mais fornecidas bolsas». Era inferior ao Coliseu de Lisboa, mas superior aos do Porto e Coimbra, no entender do grande poeta. O Olympia, a «sumptuosa casa de espectaculos», «o mais distinto cinema da capital», afinal, só tinha 539 lugares.
Para os primeiros espetáculos foi contratada uma companhia de variedades e ao longo dos anos por lá passarão as melhores companhias e os melhores atores portugueses. Ângela Pinto, Palmira Bastos, Maria Matos, Adelina Abranches, são alguns dos nomes mais sonantes. O cinema veio logo a seguir, passados poucos dias.
Ao longo do tempo a sociedade proprietária do Coliseu irá sofrendo várias alterações. Os tempos do pós-guerra foram difíceis para a empresa, à semelhança do que aconteceu no resto do país, e o Coliseu fechou por altura da Primeira Guerra Mundial. Reabriu, de cara lavada, em 1918.
Ainda nesse ano, Álvaro Pereira d’Almeida vendeu o Coliseu a José Luiz Júnior, Paulo Pereira das Neves e Francisco José Simão, por 700 escudos. A nova empresa, Paulo das Neves & C.ª, vai remodelar o Coliseu da Beira tornando-o mais cómodo e agradável. Na reabertura o s ucesso foi imediato, e não era para menos, pois as companhias convidadas – Adelina Abranches e Maria Matos – eram o melhor que havia em Portugal.
Mas os tempos continuavam atribulados, os géneros e o dinheiro escasseavam e, naturalmente, não seria em espetáculos que a generalidade das pessoas iria gastar as suas fracas economias, daí que os sócios da empresa exploradora fossem mudando com frequência. Em 1925 eram em número bastante elevado, o que lhe conferiu novo dinamismo.
Em 31 de julho de 1932, o cinema sonoro chega à Guarda e logo a seguir foi a vez do primeiro filme sonoro português, “A Severa”, de Leitão de Barros. Foi pela Feira de S. Francisco de 1932 e o sucesso inevitável. Eram os tempos do sonoro e de grandes filmes portugueses.
Contudo, com o tempo surgiram novas necessidades e novas aspirações dos seus frequentadores. O edifício do Coliseu, que tinha sido soberbo no seu tempo, ia ficando cada vez mais degradado e a precisar de uma manutenção constante e dispendiosa. E depois, invocando falta de segurança, veio a intimação para obras e por fim o fecho, em 1944.
O Coliseu da Beira, que, entretanto, tinha sido adquirido por uma empresa recentemente criada, o Cine-Teatro da Guarda Lda., ainda vai reabrir as portas em 1945.
Mas com as obras do Cine-Teatro da Guarda já em franco andamento, o Coliseu da Beira, com o seu telhado de chapas de zinco, que tanto irritavam os espetadores em dias de chuva, mas que tanta magia e encanto tinha trazido às gentes da Guarda, fechou definitivamente as portas em 1948.
Tinham sido tempos de glória, mas o velho casarão acabou vendido e demolido e no seu espaço foi construído o edifício da atual Pensão Aliança.
Não deixo, contudo, de me espantar, como é possível construir uma sala com 1.200 lugares numa cidade com menos de 7.000 habitantes! Foi coragem…
* Investigador da história local e regional
Nota do autor: O seu a seu dono. Em artigo anterior, “O Lactário Dr. Proença”, o Dr. Afonso Sanches de Carvalho aparece erradamente identificado numa foto. Essa foto é, de fato, do sr. cónego Mário Gonçalves.