Não gosto de praia.
Não gosto de ajuntamentos.
Não gosto de toques e conversas com desconhecidos.
Não gosto de ar livre.
Não sou hipocondríaco.
Não sou germofóbico.
Não tenho intenção de viver eternamente.
Estas revelações são irrelevantes para o leitor, mas necessárias para o texto. Para introduzir que não vivo assustado com a possibilidade de ficar doente (de Covid ou qualquer outra maleita), mas que estas regras de afastamento social me são largamente satisfatórias.
No entanto, proibições idiotas geram novos desejos. Por isso, já estou a preparar o guarda-sol, temas para falar com estranhos e passeios pelo campo.
Quem nos governa balança entre o histerismo de regras discricionárias e medidas absurdas – semáforos na praia irão parar àqueles almanaques de “Curiosidades dos anos 20”, versão século XXI – e o apelo quase desesperado “saiam à rua, por favor”.
Depois de dois meses da contabilização macabra diária dos mortos por Covid, de aterrorização e detenção de pessoas pelas autoridades, de insultos pelos apresentadores dos jornais televisivos, a ministra da Saúde, sem nenhuma vergonha ou descaramento da sua contribuição para isso, afirmou publicamente que o medo causa mais danos do que o vírus. É como se o Hannibal Lecter olhasse para um corpo desmembrado e dissesse “Isto do canibalismo faz mais mal do que a sarna”.
Quem, durante estes dois meses, teve a coragem de alertar para o perigo de ter uma população aterrada, e que o medo era o pior dos inimigos, foi, nas versões benévolas, comparado – muitas vezes nas redes sociais, esse lugar democrático de reflexão e ponderação – a assassinos em série.
O resultado disto é, por exemplo, grande parte da população portuguesa, onde existe um milhão de pessoas em “layoff” e 25 mil detectadas com vírus, achar mais provável ficarem doentes do que perderem rendimentos.
Talvez agora Rodrigo Guedes de Carvalho volte a terminar o “Jornal da Noite” com uma expressão que ficará nas memórias do jornalismo português, agora com uma adenda: “Tenha noção. Vá mas é trabalhar”.
P.S.: É evidente, caro leitor, que os tolos do título sou eu, que não ligo a doenças, e os outros, que andaram aí a semear o pânico. O leitor foi sempre sensato.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia