O “bullying” e a epigenética

Escrito por António Costa

«Certamente, o “bullying” tem profundas repercussões no plano mental e abre feridas psicológicas que cicatrizam com dificuldade; as sequelas são dolorosas»

Nas últimas semanas têm vindo a lume vários episódios de “bullying” ocorridos em escolas portuguesas. Trata-se de um fenómeno que não se restringe às escolas, mas que ocorre em diversos outros contextos, com especial destaque, para o profissional.
Até há pouco tempo, falava-se dos efeitos a longo prazo do “bullying” escolar a nível psicológico. Certamente, o “bullying” tem profundas repercussões no plano mental e abre feridas psicológicas que cicatrizam com dificuldade; as sequelas são dolorosas. Por vezes, o enorme sofrimento físico de crianças e adolescentes pode até levá-los a autoinfligir feridas não apenas psicológicas, mas também físicas, como cortes e queimaduras bastante graves, que em casos extremos podem resultar na sua morte.
Não obstante, a experiência de quem sofreu “bullying” é algo que ultrapassa o profundo impacto psicológico. Uma equipa de investigadores ingleses e canadianos tentou demonstrá-lo estudando pares de gémeos homozigóticos, ou seja, com o mesmo património genético, a partir dos cinco anos. Para realizar este estudo os cientistas recorreram à epigenética, uma área emergente de investigação que mostra como as influências ambientais afetam a expressão dos genes. Ou seja, a epigenética explica como experiências de início de vida podem ter impactos ao longo da existência do indivíduo.
Estes gémeos nunca tinham sofrido “bullying” até então e os investigadores, por motivos éticos, não podiam interferir na vida das crianças para observar os efeitos de experiências negativas, limitando-se a “desejar” que essas ocorressem. Assim, após algum tempo, quando os gémeos já tinham 12 anos, os investigadores voltaram a examinar as crianças, em que uma deles fora vítima de “bullying”, e descobriam que havia uma diferença epigenética notável relativamente a quando os dois gémeos tinham 5 anos, ou seja, no início da experiência. As mudanças epigenéticas significativas só se verificaram no gémeo que tinha sido vítima de “bullying”.
Esta descoberta e outras posteriores demonstraram que o “bullying” não é apenas causa de graves problemas psicológicos e propensão para lesões autoinfligidas, mas também é algo que transforma o modo como os genes dão forma à nossa vida e à das gerações vindouras.

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António Costa

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