Nestas semanas de Agosto, em que o país está meio lerdo entre o calor, os turistas e as férias escolares, os partidos organizam umas feiras populares e põem os líderes a fazer discursos, a que os jornalistas gostam de chamar “rentrée” política. Entre as várias coisas que não entendo, a mais relevante é não ter percebido que houvera uma “sortie”. Diz-me a lógica que para reentrar, teria sido necessário sair de cena, mas infelizmente não nos calhou em sorte ter dado conta da “sortie”. Deve ser um dom necessário para a política, saber regressar de onde nunca se saiu.
A “rentrée” ocupa os jornalistas e os comentadores durante horas, dias, fascinados por essa arte mágica de anunciar o retorno ao lugar onde já se estava. Em directos longuíssimos, oferecem aos espectadores descrições pormenorizadas da gastronomia de roulotte, entre a bifana e o torresmo, reconhecem todas as personalidades que julgam ser importantes, juntando tentativas de adivinhação sobre as razões pouco aparentes da sua aparição, e terminam com extensas análises político-semióticas sobre o que os líderes partidários discursaram, gritaram, gesticularam, do que não falaram mas deviam, e do que os outros líderes políticos comentaram sobre o que cada líder político disse e não disse. No fundo, o mesmo que fazem durante todo o ano. Deve ser a isso que os antropólogos chamam o mito do eterno retorno, nesta interna “rentrée”.
Noutras latitudes, de cada vez que há eleições, convenço-me que o povo anda a mangar com a ansiedade da classe média. Na Argentina, o candidato mais votado foi um tipo que aparenta ser corajoso, mas apenas pelo facto simples de não ter qualquer noção de superego – além das coisas que diz e como as diz, quem entre os leitores é que teria intrepidez necessária para aparecer em público com umas patilhas ou umas guedelhas daquelas e com calças acima dos tornozelos? Os jornalistas, claro, entre o pânico e a desorientação, classificam de extrema-direita um tipo que é contra o aborto e a favor da liberalização das drogas, que é contra a instituição do casamento (qualquer um) e não tem nada contra uniões homossexuais, que quer abolir o ministério da Educação (a que chama ministério da Propaganda) – se bem me lembro dos livros de História, os governos a que pertenceram António Ferro e Joseph Goebbels tinham ambos. É um tipo sem coerência nenhuma? Para os tempos tribalistas que vivemos, é. É um tipo perigoso? Para a classe média, com certeza. É por isso que acredito que os pobres e desesperados votam nestes malucos. O enorme gozo que lhes deve dar ver a classe média assustada com este tipo de candidatos parece compensar largamente o pouco que parece terem a perder, precisamente por pouco estarem habituados a ganhar com os políticos normais que regressam de onde nunca saíram.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia