1. Após o dia de Natal, fui levar um familiar à estação da CP da Guarda, a fim de viajar no IC das 7 horas para Lisboa. Fomos logo informados que nesse dia não era previsível que houvesse comboios. Motivo: greve. Tal como em anos anteriores, em 2018 não passou um mês em que não houvesse uma greve sectorial na CP. Desta vez, foi dos revisores. E o Governo só assegurou os serviços mínimos nas linhas urbanas. As circulações de longo curso foram as mais afectadas. A greve terminaria supostamente às 00h00. No entanto, misteriosamente, nesse dia não houve comboios. Porquê? Ninguém sabe. E os milhares de cidadãos que foram passar o Natal com a família vêem-se assim obrigados a improvisar, para não dizer outra coisa. Como se vivêssemos num cenário de guerra. Ou num país do terceiro mundo. As greves são um instrumento reivindicativo que deve ser usado com parcimónia. A excepção e não a regra. Na CP, tal como noutras empresas públicas de transportes, as greves são uma forma corrente de chantagem. Usadas precisamente porque é sabido que lesam directamente os utentes. Muitos deles sem alternativas. Houvesse um Governo com coragem para privatizar o sector público dos transportes e este regabofe acabaria de imediato. Veja-se o exemplo da Fertagus. Uma empresa que apresenta resultados líquidos largamente positivos. Que oferece um serviço de qualidade e sem falhas. E onde a negociação colectiva funciona. Sem greves. Todavia, a qualidade de um serviço público não é, ou não devia ser, aferida por quem o presta: entidade pública ou privada. Na perspectiva do utente, é indiferente. O que está em causa é a eficácia e a acessibilidade. Já para o cidadão comum interessa é a relação custo-benefício e as boas práticas de gestão, caso se trate de serviços financiados pelos impostos. Mas se forem praticados por privados, em regime de concessão ou contratualizados caso a caso, os critérios apontados, aglutinados numa constante a que poderíamos chamar racionalidade económica, são, em si mesmo, condição de sobrevivência. Porque a margem de manobra é mais reduzida. Mas uma gestão eficaz está longe de ser apanágio do sector privado. Portanto, em resumo: nem a privatização ou a nacionalização garantem um melhor serviço público. Tendencialmente, uma gestão privada é capaz de evitar esbanjamento de recursos e irracionalidade económica. Até prova em contrário…
2. Como eu percebo o Pessoa do “Poema em linha recta”!… A fragilidade escondida dos super-heróis com que nos deparamos no quotidiano é tão real como a fragilidade que se mostra, sem máscaras e sem medo. O problema está em que a força da que está à vista põe a nu aquela que se varre cuidadosamente para debaixo do tapete. E quanto mais se tapa, mais se odeia quem expõe essa fraude à luz do dia. Sem perceberem a dimensão da dádiva que esses anjos delicados lhes sussurram. Tempos complicados os nossos. Quem mostra lutar pela empatia contra a vaidade é encarado como um bizarro…
3. À frente dos destinos da nação, um governo de perdedores. Preocupados em restabelecer os privilégios dos “seus” e navegar à vista de terra. Sem ambição, sem uma ideia de reforma. Sacar ao máximo, penalizar o património, impor rendas ao sector produtivo e desmantelar a tradição, a cultura popular, a família, as crenças, através da engenharia social fracturante. Eis o seu portfólio. Depois de Pedrogão, dos incêndios de Outubro, de Tancos, de Borba, do helicóptero perdido, o manto da impunidade continua a reinar. Mas quem pretende manter alguma sanidade e algum respeito por si próprio não pode compactuar com este carrocel de corruptos e gente pouco recomendável. Não respirar o mesmo ar pestilento. Não os poupar ao sarcasmo. Deixar-lhes o destino da governação, mas tomar em mãos o nosso. Ignorá-los, se estivermos ocupados com coisas importantes. Afugentá-los ao zagalote, se importunarem. Desobediência civil.
4. No Netflix está disponível uma excelente série biográfica sobre Trotsky, com produção russa. Focado sobretudo no período anterior à Revolução de Outubro e no seu exílio mexicano, antes de ser assassinado a mando de Estaline. No primeiro caso, os anos de formação política e as origens do percurso revolucionário do homem que, curiosamente, adoptou o nome do seu carismático carcereiro quando esteve preso. E que, depois de fugir ao degredo siberiano, se instalou nas capitais europeias. Em grande medida subsidiado por magnatas germânicos que patrocinavam as vozes da revolução mais capazes de desestabilizar a Rússia. Incluindo Lenine. Nesse período há dois momentos fascinantes. O primeiro, quando o seu sponsor o avisou dos perigos de um revolucionário com um bom discurso não se apresentar bem vestido. Pois que o discurso, só por si, apenas conseguiria atrair os proscritos. O segundo é o seu encontro com Freud, em Viena, em 1908. O fundador da psicanálise acentuava o facto de a vontade de enriquecer ser a forma mais básica e avassaladora de manifestação do desejo sexual. E a revolução ser semelhante a uma conquista erótica. Trotsky argumentou, tentando minar as suas teses, mas sem resultado. Talvez por suspeitar que o poder só faz sentido se modificar quem o exerce, para depois se retirar, mas nunca para assim se tornar quem sempre desejou ser. Fascinante.
5. Fixar-me em perda. Seguir essa linha. Devagar. Enlouquecer só depois. Num épico de reprise. Sem receio do sangue que nos deixa e da flecha que nos persegue. Em perda. Na linha que me segura e faz perder. Umas vezes, levado pelos mistérios que ela percorre. Outras, tropeçando para chegar mais depressa. Cair muitas vezes sem tocar no chão. Em estado geral de perda.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia