1. Lembram-se daquele caso, ocorrido em Janeiro, de uma jovem aluna de uma escola de Seia, que morreu após embater numa porta de vidro nesse estabelecimento? Na sua última crónica do “Observador”, Helena Matos lembra o episódio. Frisando que, na altura, o ainda ministro da Educação classificou de «mau gosto» relacionar a fatalidade com obras de reforço da segurança, que não se fizeram. Com efeito, sabe-se que o vidro usado nessa porta era do tipo comum. No entanto, os regulamentos de construções das escolas impõem o uso de um tipo de vidro considerado seguro. Que quando quebra se desfaz sem arestas afiadas. Sabem o que aconteceu depois? O vidro foi substituído por outro igual. Porquê? O do tipo regulamentar não cabia no caixilho. E para alterar o caixilho seriam necessárias obras profundas. E para isso, teria de haver um concurso e aprovação do projecto para caber nos fundos do PRR, cuja data de conclusão é um segredo de Estado. Entretanto, já o assunto, segundo o ministro da tutela, passou a «infelicidade». No debate da passada quinta feira, no NERGA, vimos todos os candidatos não incumbentes basicamente desenrolando as respectivas bandeiras e papagueando os respectivos programas. Como se isso fosse uma novidade para o público. No entanto, nem uma palavra sobre políticas culturais, de imigração, defesa do património, descentralização administrativa, agricultura e mundo rural, política externa. E quando desciam ao terreno, ao concreto, não o problematizavam devidamente, usando evidências empíricas. Ao invés, arremessavam as questões, já embrulhadas na retórica partidária, num jogo de parada e resposta. Não é assim que se mobiliza o eleitorado, para lá dos fiéis. Um candidato mais assertivo pegaria em dois ou três casos, como o que referi, fora do mainstream, mas nem por isso menos impressivos, em benefício da sua estratégia comunicacional. Demonstrando a inoperância do governo socialista. Não só deixaria a incumbente Mendes Godinho sem resposta, como daria um belo efeito na assistência.
2. Que tipo de pedras atiram hoje os poetas? Simples piedras de la calle? Artefactos normalizados fornecidos pelo medo? Os paveaux que cobriam as praias do Maio de 68? Objectos com efeitos especiais distribuídos pela comunidade literária? Pedaços de brita retirados de camionetas prodigalizadas pela indústria do protesto? Bolas de canhão ligadas com uma corrente, para derrubar os mastros, como faziam os piratas? Bumerangues de madeira escondidos no casaco? Palavras que dão vida e que matam?
3. É curioso observar os alvos escolhidos pelas diversas comitivas partidárias durante a campanha eleitoral. O PS vai a lares, IPSS, feiras e mercados, evitando hospitais, centros de saúde, escolas, tribunais e infantários. A AD vai às lojas, empresas, escolas, associações, lares, IPSS, feiras e mercados. A IL vai às empresas, feiras e mercados. O Chega vai a todo o lado, menos acampamentos de ciganos. O BE vai às associações, fábricas, centros de saúde, feiras e mercados. E quando eu fui ao mercado comprar um molho de meruges para fazer salada, nem de propósito. Cruzei-me com uma super discreta comitiva da CDU. Ou julgam que me esqueci de mencionar o PCP neste desabafo? Bem sei que a incessante retórica política faz parte do quotidiano mediático em alturas de campanha. Para a história, ficarão algumas frases, o sucesso ou o fracasso desta ou daquela estratégia. Dizer que este caudal retórico cansa, embora possa ser verdade, já se tornou um lugar comum. Cerca de três quartos do eleitorado que não se vai abster, já sabe qual o sentido do seu voto. E já nada irá inverter os 40% que ficarão em casa no dia 10. Portanto, nesta altura, na prática, os partidos já só falam para cerca de 15% do eleitorado. Mas são esses que irão ditar a diferença.
4. Splash. Apertadinha. A neve. Quieta aí, ó melancolia! Fui ver. Já os passos imprimiam. Entre a sola e o cimento. A borracha e a terra. Chhlak. Leve. Passadas curtas. Levemente. O trovão: brummm. Será gente? Línguas sibilantes. Brancas e frias. Chhlak, chhlak. Tac, tac. Levanta a cabeça. Vai ver. Brancas e leves. Tira o relógio e o casaco. Chhlak. Ó funda turbação! Ssssssssssssssss. Agarra-te! A abalada da neve. Luzinhas e sibilas na janela. Chhlak, Chhlak. A chuva não abate assim. Tacacacacata. Ninguém hoje por cá. Há pouco. Há poucochinho. Chhlak, Chhlak. Depois mandamos. Vento não é certamente. Com gente à mistura. Tacatacatacata. Chhlak. O ch a olhar para trás no multibanco. A olhar. A olhar, ó ! O ch serrão! Splash, splash. Talvez a ventania. Cai bem. Olha olha. Nem uma agulha bulia na melancolia! Como ela cai. Já de abalada? tac-tac-tac. Chhlak chhlak. Botas novas é o que é. Sááááujma e nééééve. Os pinheiros no caminho. Fui ver. Chhlak. Isso. Chhlak, chhlak…
* No calendário vegetal celta, significa “Freixo”
** O autor escreve de acordo com a antiga ortografia