Não é bastante ser melhor

Escrito por António Ferreira

“Há uma coisa que aprendi há muitos anos e tentei seguir enquanto joguei alta competição. Não interessa o adversário, interessa é ao longo dos anos desenvolver um estilo de jogo a que somos fiéis. Seja quem for o adversário, jogamos como sempre o fizemos, sem nunca fingir ser outra coisa. “

A nossa seleção nacional desiludiu-nos. Tínhamos o melhor do mundo e, sem ele, a melhor equipa do mundo. Continuamos a produzir jogadores espantosos a um ritmo invejável. O melhor jogador do campeonato italiano é suplente da seleção, como o é agora o Ronaldo. Nenhum jogador da seleção marroquina teria lugar na nossa equipa, mesmo o guarda-redes, mas mesmo assim ganharam-nos. É festa em Marrocos e nós ficamos com a duvidosa honra de ter apadrinhado o acesso da primeira equipa africana a uma meia-final do campeonato do mundo.
É fácil agora deitar as culpas ao Fernando Santos, mas se não é ele o culpado quem é? A comunicação social, que alimentou as novelas que surgiram à volta do Ronaldo, o Ronaldo, o árbitro, a sorte, o feio antijogo dos marroquinos?
Pode ser tudo isso, com o Fernando Santos à cabeça, mas há mais. Esta derrota soma-se às derrotas com a Sérvia e com a Espanha, em que tentámos jogar como o fez agora Marrocos contra nós, mas com menos competência.
Todos os desportistas passam por isto, por terem de ganhar contra quem só defende e espera por uma oportunidade ou pela sorte. Aconteceu-me dezenas, centenas de vezes em torneios de xadrez. O adversário não tem vergonha da figura que faz. Defende e defende e defende. Está à espreita da sua vez e não quer saber, quando a sorte lhe sorrir, se a merece ou não. Por ele, sim: aguentou a pancada e cumpriu o objetivo. Não tem medo ou vergonha de jogar feio. Sabe que ninguém vai aos estádios para ver jogar assim, como sabe que se todos os jogos fossem um misto de defesa tenaz e contra-ataque, se todos os campeões do mundo fossem a Itália de 1982, não haveria tantos milhões a seguir o jogo.
Tudo isto é verdade, mas há outras questões. Defender apenas é muito mais cansativo do que atacar. A mínima falta de atenção pode significar o fim do sonho ou o início de uma goleada. Quando se recupera a bola na própria grande área há muitos metros a percorrer até chegar ao lado oposto. Há também a estatística. Todos se recordarão a partir de agora das eliminações de Portugal e Espanha, mas ninguém fala muito das muitas vezes em que a estratégia de Marrocos correu mal, ou em que correu mal a estratégia dos muitos que escolhem jogar assim. Acredito que se jogássemos mais dez jogos este resultado não iria repetir-se, e acredito que a França nos vai mostrar como se resolvem estes problemas (Charles Martel, Poitiers).
Há uma coisa que aprendi há muitos anos e tentei seguir enquanto joguei alta competição. Não interessa o adversário, interessa é ao longo dos anos desenvolver um estilo de jogo a que somos fiéis. Seja quem for o adversário, jogamos como sempre o fizemos, sem nunca fingir ser outra coisa. Há adaptações, claro, dias em que se tem de improvisar, mas há que fazer escola, ou seguir uma, e respeitá-la. Todos sabem como joga a Alemanha, ou a Espanha, ou o Brasil. Ou Marrocos. Ou como jogava a Grécia de 2004. São, pelo menos, equipas com identidade. As equipas portuguesas que perderam com a Espanha, com a Sérvia, com Marrocos ou a Coreia do Sul, que identidade mostraram? Umas vezes acomodadas, outras sem imaginação, outras sem soluções. Fernando Santos teve o adversário mais fácil dos oitavos e conseguiu perder. Afinal não éramos candidatos a nada, ou éramos nós o mais fácil.

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António Ferreira

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