Das palavras aos atos, o Governo quis atestar o seu “compromisso” com a “valorização” do interior instalando três secretarias de Estado noutras tantas cidades do país despovoado.
Nas intenções, este Governo é o segundo mais descentralizador, só superado pelo breve executivo de Santana Lopes que, em 2004, anunciou a deslocação de seis (!) secretarias de Estado para Coimbra, Santarém, Évora, Aveiro, Braga e Faro. O plano de Santana, na altura muito criticado pelo PS, previa ainda descentralizar, para o Porto, gabinetes de membros do Governo.
Pode dizer-se que, pelo menos no papel, Santana teve o dobro do ímpeto descentralizador de Costa, e, na prática, que estão próximos na demagogia e propaganda.
Com o país ainda mais desertificado e com maiores assimetrias regionais dado o aprofundar da cisão litoral-interior, António Costa mais não faz do que recorrer a uma receita do passado. Os otimistas (ingénuos?) dirão que Santana só não teve sucesso porque Sampaio lhe tirou o tapete; os pessimistas quererão, no mínimo, ver para crer.
A decisão anunciada na passada semana coloca a secretaria de Estado da Conservação da Natureza, Floresta e Ordenamento do Território em Castelo Branco, a da Ação Social na Guarda e a da Valorização do Interior em Castelo Branco. Mas, afinal, o que ganha o interior?
A ideia propagandisticamente transmitida pelo Governo, e pelo PS, garante que esta mudança vale, desde logo, pela mensagem política. Noutras variantes dir-se-á que mais vale pouco do que nada ou ainda que este é o primeiro passo de um caminho que teria sempre de começar por algum lado.
Note-se que a secretaria de Estado da Valorização do Interior funcionava já desde o início do ano em Castelo Branco sem que se conheça qualquer mérito dessa passagem pela Beira Baixa. E ninguém explica o porquê de ir agora para Bragança. Curiosamente, as três secretarias vão ficar instaladas nos distritos de residência dos respetivos novos secretários de Estado, quase parecendo uma decisão mais por conveniência do que por intendência. Isto para não falar do aumento de custos de funcionamento, já que as três estruturas transferidas vão manter gabinetes em Lisboa, para onde, seguramente, os secretários de Estado irão semanalmente.
Um país não é menos assimétrico por ter um Governo descentralizado. Não faltam casos de países, tanto maiores como menores do que Portugal, com governos fortemente centralizados (por vezes até nas mesmas instalações) mas, em contrapartida, com poderes e serviços fortemente desconcentrados.
Justificando a mudança da Secretaria de Estado da Valorização do Interior para Bragança, Ana Abrunhosa sustenta, no “Público”, que «a partir de agora, cidadãos e demais entidades poderão bater à porta desta secretaria de Estado para serem atendidos por uma equipa que conhece como ninguém a realidade do interior». Quererá dizer que, em Lisboa, as pessoas não poderiam bater à porta? Ou que não seriam atendidas? Ou ainda que, na capital, o gabinete não seria composto por uma equipa conhecedora do interior?
Como acrescenta a própria Ana Abrunhosa, «não há boas políticas públicas sem bons políticos». Nem há boas políticas públicas porque delineadas em Bragança ou Pinhel, e más porque feitas a partir de Lisboa. Há boas e más políticas públicas, venham de onde vierem, acrescento eu.
O problema é que para lá da mensagem política nada fica. Não são criados empregos – determinantes para chamar pessoas para os territórios –, pois para isso é preciso desconcentrar institutos públicos e serviços conexos. Só que isso é politicamente difícil, requer vontade, arrojo e menos eleitoralismo, premissas aparentemente inconciliáveis na política nacional. Quem se recordar da suposta mudança do Infarmed para o Porto sabe disso, e uma transferência para a segunda cidade do país tem custos políticos infinitamente menores aos de uma passagem para Portalegre.
As três secretarias de Estado no interior não configuram nenhuma mudança estrutural, só de estrutura.