Monos

Escrito por Fidélia Pissarra

“Às vezes, precisamos é de uma ajudinha, claro, mas o mais provável é sermos os primeiros a identificar em nós as qualidades de mono.”

As palavras são como as pessoas, umas são mais para o despojado e outras mais para o vaidoso. A palavra mono, apesar de nunca ser suposto significar algo que valor tenha, será, porventura, das palavras mais vaidosas que podemos encontrar no nosso Português. Tudo porque, em vez de se ficar por um ou dois significados, dá em ostentar vários. O curioso da coisa, mesmo pretendendo, cada um deles, depreciar sempre outra qualquer, é a riqueza que consegue sem querer valer seja o que for. Desde a inutilidade das coisas até aos calotes, passando ainda pela fealdade de algumas pessoas, de tudo escarnece tal palavra. Não admira, por isso, que seja a primeira que nos ocorre quando nos deparamos com algo de que nos queremos desfazer. Quem nunca pensou que tinha de despachar o armário do corredor, mesmo antes de lhe sair o impropério com que responde a cada uma das caneladas infligidas por tal mono, que atire a primeira pedra. Quem nunca disparou um “que mono” contra o funcionário macambúzio que lhe apareceu à frente desconhece, por completo, a frustração de não ver satisfeito um pedido por aquele que o deveria fazer. Por outro lado, quem nunca considerou fazer cara de mono, pelo menos uma vez na vida, também não será uma pessoa completamente pessoa. O problema, se é que se lhe pode chamar assim, é quando, sem o sabermos, reunimos em nós todos os significados de “mono”. Neste caso, enquanto trastes datados e desengonçados, recusamo-nos a mudar de lugar. Como pessoa sem graça, recusamo-nos a abdicar de protagonismos. Sucedendo sermos de índole duvidosa, é costume dar-nos para enviesar a linha com que alinhavamos cada um dos nossos intentos sem o assumir. Para culminar, só falta mesmo o sermos sensaborões. Coisa fácil de alcançar, porque um mal nunca vem só. Quando assim acontece, os pessimistas tenderão a achar que a culpa é da palavra, “mono”, e, portanto, nada há a fazer. Por sua vez, os otimistas tenderão a atribuir a culpa a cada um.
Ora, sendo de cada um, a culpa de ser mono, sempre nos dá a possibilidade de deixar de o ser, porque o fado, já se sabe, é coisa de cantiguinhas. E, em boa verdade, nada impede que se lhe mude tudo, desde o mote às notas musicais. Assim o queiram todos os monos desta vida. Às vezes, precisamos é de uma ajudinha, claro, mas o mais provável é sermos os primeiros a identificar em nós as qualidades de mono. O que, sendo doloroso, acabará por ser libertador. Vamos lá, então. Persistimos em funções e propósitos para que não temos jeito nenhum? O melhor será esquecer e ir fazer aquilo para que se nasceu. Não há quem, à nossa volta, nos encontre piada? O melhor será mudar de ares, ou deixar de querer ter piada. Ninguém nos acha particularmente bonitos? Então, também não valerá a pena querermos ser como as imitações das cómodas do Luís XIV, XV, XVI ou lá o que era. Até porque, sabemo-lo bem, todas as imitações acabam a ser monos tão monos que nenhuma patine os consegue salvar. Simples, não?

Sobre o autor

Fidélia Pissarra

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