Marcelices

Escrito por Albino Bárbara

Quando o comentador, desinteressado e inocente, se candidatou ao mais alto cargo da nação disse não precisar de «lugares, promoções e popularidades».
Em plena campanha eleitoral e na passagem pela cidade mais alta, numa inédita declaração na pastelaria Madrilena, afirmou: «Sou da esquerda, da direita», continuando a sua campanha num verdadeiro folclore político, na ida às farmácias, às cabeleireiras, o que lhe permitiu produzir afirmações importantíssimas e de reconhecido interesse nacional, ficando todos a saber que havia novas embalagens de Omoprazol e que «a partir de certa idade são todas ruivas ou morenas».
O comentador da coscuvilhice política e autor de múltiplos artigos de cordel chega ao palácio presidencial dando a entender que é um novo messias deste jardim à beira mar plantado, assumindo a postura constitucional de querer ser o presidente de todos os portugueses.
A popularidade que, entretanto, granjeou não é sinónimo de tudo poder fazer. O seu mundo cor-de-rosa tem limites e nem tudo pode, deve e tem de ser possível no regime que, felizmente, continua a ser e ainda é semipresidencial e semiparlamentar.
Na tomada de posse, Marcelo afirmou: «Presidente de todos e assim será até ao final do mandato». Dois meses depois a coisa já não era bem assim. No rebatismo do aeroporto de Lisboa afirma: «É simbólico que seja um governo de esquerda e um presidente de centro-direita a dar chama a esta homenagem».
É talvez por estas e por outras que muito me admira que só agora o país acorde para a “marcelização” do regime e só porque o Presidente afirmou que a direita está toda esfrangalhada, em fanicos e vai tardar a recompor-se.
É ou não verdade que o habitante do palácio “pink” tem mandado bitaites mais que suficientes acerca da nova lei de bases da Saúde. Condicionou ou não a ação do Governo e do Parlamento no célebre dossier da transparência dos cargos políticos, ao mesmo tempo que seremos obrigados a perguntar quantos diplomas enviou até agora para o Tribunal Constitucional, seguindo-se processos como as provas de aferição, o conhecido caso do Teatro da Cornucópia, etc., etc., etc. Percebe-se que Marcelo é legislador, governante, juiz do Tribunal Constitucional, estratega político, líder partidário, opinando indiscriminadamente em processos do partido de que foi líder, podendo fazer-se a leitura que o atual presidente está a condicionar a separação de poderes numa visível apropriação de todos os pilares republicanos.
Costa, por seu lado, tem no PR o melhor parceiro que lhe vai assegurando a estabilidade da governação e, para quem afirmava repetidamente que as luzes da ribalta não interessavam, é só olhar para a noite das eleições europeias. Depois de todos os líderes dos partidos e coligações terem falado e, numa ação mais que calculada, aí vai Marcelo, e no seu melhor, dirige-se para o Banco Alimentar contra a Fome, terminando ele a noite com o seu vaticínio conclusivo eleitoral. Ao filósofo Sócrates é-lhe atribuída a seguinte frase: «As pessoas precisam de três coisas: Prudência no ânimo, silêncio na língua e vergonha na cara».
E depois vem todo o historial dos tais “fait-divers”: O mergulho no Tejo, a forma como recebeu o embaixador do Irão na sede do PSD, a “vichyssoise” com Portas – «Marcelo é filho de Deus e do diabo. Deus deu-lhe a inteligência. O diabo deu-lhe a maldade», a declaração que Balsemão é «lélé da cuca», etc., etc., etc. e é afinal com completo espanto que não percebo porque só agora é que a direita entra em pé de guerra com Marcelo por causa dos comentários proferidos na Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento. É que o tempo urge e Marcelo está a apostar única e exclusivamente na sua recandidatura jogando noutros e novos tabuleiros eleitorais. Ponto final.
Tenho em casa um gato que mia por tudo e por nada, que de forma matreira quer sempre qualquer coisa. Como felino fino que se preza, tinha, naturalmente, de ter nome. Acreditem ou não, mas dado o comportamento do bicho, apenas consegui descortinar um único nome.
E já agora o presidente de vida cor-de-rosa, habitante também no tal palácio cor-de-rosa, Presidente desta República centenária que divide poderes e assume o laicismo como princípio, continuará a ter o meu respeito que a Constituição determina. Uma coisa eu sei. Jamais será o “meu” Presidente.

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Albino Bárbara

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