Uma criança vai de noite para casa. Lembra-se a certa altura de bater as palmas e, no momento em que o faz, um dos candeeiros da rua apaga-se. Fica convencido de que foram as palmas a causa do fenómeno: o candeeiro estava aceso, bateu palmas, apagou-se a luz. É claro que aconteceram muitas outras coisas ao mesmo tempo, como por exemplo a vizinha fechar a persiana, um gato tossir uma bola de pelo, uma borboleta bater as asas na China.
Para estas situações usa-se em direito o conceito de “causalidade adequada” e por isso se exige, para que numa sequência de acontecimentos se possa considerar um como causa do outro, a adequação de uma causa à consequência. Acreditaremos que a lâmpada se apagou porque a criança bateu as palmas se isso for normal nessas circunstâncias, se o resultado de se apagar a luz for uma consequência típica do ato de alguém bater as palmas.
Na semana passada houve notícia de que, entre as mais de 17 milhões de pessoas que tomaram a vacina da AstraZeneca, houve algumas dezenas de casos de trombo-embolismo. Houve quem fizesse as contas e concluísse que havia três casos por cada milhão de vacinas. Houve quem fizesse outras contas e concluísse que os casos de trombo-embolismo entre os vacinados pela AstraZeneca não eram muito diferentes dos que ocorrem entre a população em geral, não vacinada.
Embora não houvesse nenhuma prova de que a vacina tenha provocado os trombo-embolismos, «por uma questão de precaução» decidiu-se suspender a administração dessa vacina e, com isso, deixaram de ser vacinadas mais de 120 mil pessoas em Portugal. Por toda a Europa aconteceu o mesmo, aumentando para milhões os que não foram vacinados na semana passada, podendo sê-lo.
Os “anti-vaxxers” rejubilaram: veem como tínhamos razão? As vacinas são perigosas!
Das 120 mil pessoas que não foram vacinadas vai haver quem contraia o coronavírus, e entre essas, algumas irão morrer de Covid-19. A relação causal aqui é fácil: morreram de Covid-19 (consequência) porque não foram vacinadas a tempo (causa).
Um dos anti-inflamatórios mais comuns é o ibuprofeno (mais conhecido pelo nome comercial de Brufen). Pode provocar alguns efeitos secundários graves, como por exemplo úlcera péptica, insuficiência renal e problemas cardiovasculares. Vem na bula e é do conhecimento comum, mas ninguém vai deixar de o tomar porque em cada milhão de pessoas que o tome haverá três a sofrer um desses efeitos secundários.
Sabemos outra coisa: a taxa de mortalidade da Covid-19 é de mais de 2 por cento e acima dos 80 anos é muito superior. Todos interiorizámos já a urgência da vacinação de toda a população e a necessidade absoluta de conseguir a imunidade de grupo, pela nossa saúde, pelas nossas vidas e para conseguirmos um dia voltar a ter uma vida normal. Não deveríamos respeitar um pouco mais as estatísticas e a ciência e um pouco menos as superstições e a estupidez?