Montenegro era assim chamado por ter nascido num lago de breu, algures no Gerês, num dia em que a noite e o dia se juntaram, e no mesmo dia que em Lisboa nasceu Nuno de pais de Santo, enquanto a penumbra começava a noite. Montenegro disse ao Nuno que gostava de luz, mas vivia no breu. Disseste breu, disse Nuno, disse sim, respondeu Montenegro, e claridade? Disse Nuno, e penumbra avançou Nuno outra vez. Eu sou do Gerês e não quero a tua luz. Estavam a discutir o prédio do Martim Moniz que queriam construir, e Montenegro preferia o cinza e Nuno queria azul. Mas se abrimos janelas a parede azul fica melhor e sonhou com Lisboa ao som de Marceneiro nas vielas vizinhas, e prefiro a cor cinza, sem janelas, disse Montenegro, e lá estava o lago, no meio da vegetação verde, a neblina estável, e o prédio deslumbrava rebentando do breu, enquanto os pais de Santo construíam macumbas e engalanaram de festivas gambiarras azuis, que Nuno pendurava agora na janela do Martim Moniz. Temos de decidir do prédio, disse Nuno. Assim como queres, não consigo, disse Montenegro, que mostrou novos desenhos, agora azul ténue, quase cinzento, a tentar consenso. Não, digo-te que não, preciso de mais luz e Nuno colocou um avental azul e carregou de azul a proposta de Montenegro, e este esburacou-a a fingir janelas, e o Nuno rasgou-as em vidraças gigantes e ficaram a olhar-se. Ainda se olham às vezes, mas vivem em lugares diferentes. O prédio do Martim Moniz é amarelo. O construtor foi o Sr. Ventura que o comprou ao Rui Americano.
Jon Fosse em Portugal
“Temos de decidir do prédio, disse Nuno. Assim como queres, não consigo, disse Montenegro, que mostrou novos desenhos, agora azul ténue, quase cinzento, a tentar consenso. “