Jogos de azar

Escrito por Fidélia Pissarra

Aposto que acabo de escrever esta crónica sem conseguir escrever o que quero. E que quero eu escrever? Para começar, sobre o facto de o ar desta cidade ser mesmo bom para doenças respiratórias. Só que isso já se sabe desde os tempos da rainha D. Amélia e, não sendo nada versada sobre ciências médicas, também não vou fanfarronar erudições adquiridas numas poucas leituras salteadas para parecer que descobri alguma coisa de novo. Havendo também a opção de contar a história do avesso, prefiro não o fazer porque não decorei a ordem das orações e ia acabar no avesso de outra coisa qualquer. Depois, bem depois queria escrever sobre como é muito mais fácil educar os filhos aqui do que noutro lado qualquer. As creches são mais baratas, as escolas ao lado de casa mais bonitas e os parques mais limpos, mas claro que também já todos sabem. Falta escrever sobre o quê? Exatamente sobre as paisagens de tirar o fôlego a qualquer um, dos rios, riachos e ribeiras a descer os montes das serras. Depois escrevo qualquer coisa sobre caminhos, estradas, autoestradas e acho que já escrevi sobre tudo o que queria. E que bom que era perder a aposta que fiz ali ao cimo.
Ora se, como é notório, eu própria sinto tanta dificuldade em perseguir este objetivo, de fazer o pouco que me proponho, não admira que quem alegadamente tenta fazer algo pela região e, neste particular, pela cidade sinta o mesmo. A não ser assim, não se percebe porque cargas de águas se passe a maior parte do tempo a falar de desgraças, como a falta de gente, o esquecimento por parte do Governo de Lisboa e outras que tais, em vez das coisas boas que aqui existem. Faz lembrar aquelas pessoas que, sendo naturalmente gordas ou magras, querem aparentar o oposto, em vez de aproveitar o que são e perdem o tempo todo com dietas para trás e para a frente sem conseguir vestir o tal fato da moda. Neste processo de transformação constante, claro que não lhes sobra tempo para mais nada. Pelo menos que jeito tenha. Porque umas curtas incursões pelas ideias mais modernas e inúteis, ou melhor, pelas tendências mais vulgares, não as habilita a nada. Nem sequer lhes confere a silhueta que ambicionam. No caso, melhor fariam se valorizassem o que as distingue em vez de deixar a autoestima ao sabor das marés. Onde é que já fui parar, nunca foi sobre pessoas e moda e silhuetas e autoestima que quis escrever. Pelo menos, não sem antes o fazer sobre esta nossa constante bipolaridade que tão depressa nos coloca a assumir que temos o melhor de tudo, sendo os melhores de todos, como, logo a seguir, nos põe a lamentar o esquecimento e abandono a que os outros nos votam. O que, por si só, traduz bem a confusão que nos vai na cabeça e ninguém parece conseguir resolver: que modelo de sustentabilidade perseguir? O das rotundas cheias de adornos e pechisbeques? O dos perpétuos anúncios de grandes investimentos, porque parece que sem ser em grande nada de proveitoso acontece? Voltando ao caso deste texto, não sei se as orações estão corretamente ordenadas ou se ganhei a aposta, mas não foi essa a principal intenção.

Sobre o autor

Fidélia Pissarra

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