Inverno de virtudes

Escrito por Diogo Cabrita

Contra a imensa força da distopia (termo é de origem grega, formado por “dys”, que significa “mau”, e pelo radical “topos”, que significa “lugar”) que nos envolve, vamos fazer vida e alegria, criar filhos, fazer festa – diz Julián Fucks, honroso vencedor do prémio Saramago. Não sei se ele se refere a todas as desconstruções de discurso, hipérboles de fobias, fanatismos de opinião, exigências de silêncio sobre vozes contrárias, maldições lançadas sobre os estoicos, conservadores, patrióticos e gente de culto. Há uma força agressiva na rede social que penetra “a nuvem Deus” que hoje nos vigia. Procuram um detalhe, um passeio, um deslize e num ápice somos virais e reduzidos a horrores descartáveis. É um destino negro diria eu.
– Isso é racismo – gritam-me de seguida.
Respondo que não, que aqui a palavra é como treva, mas já foi tarde – na rede está espalhado o negro e as imagens são de África e pretos que se lavam na lama da barragem. Mas se sou mulato porque vou ser racista? A rede decidiu que sou.
Esta indefinição da fronteira é elevada quando se agride um deputado com telemóvel na mão a filmar. Publica-se apenas a resposta no círculo próximo. Deputado de direita agride jovem, omitido que este lhe deu com um ovo.
Esta “direito-fobia” é um processo de construção de discurso único e de pensamento orientado que tem por fim uma relação social melhor, mas sobre sustentação péssima. Pilares errados podem condicionar fronteiras impercetíveis. A noite fria onde nasce a limitação da liberdade é tão perigosa quanto a liberdade de trazer o breu e a invernia eterna. As virtudes humanas são inúmeras, tais como seus defeitos, mas a torre construída de um só é sempre negativa para todos. Só estoicismo, ou só fanatismo, ou apenas preguiça, ou apenas liberdade, tem como consequência um mal-estar – será o enfartamento, ou dumping que tudo paralisa. No inverno das virtudes não nasce o Sol, nem nasce festa, desaparecem as crianças e alarga-se a “peste branca” com consequências inevitáveis na qualidade de vida das sociedades. Um tipo que diz uma barbaridade pode estar a dizer uma verdade, só que é uma realidade sem virtude e, portanto, apouca-se e destrói-se o mensageiro. Esta incrível distopia inclui inúmeras narrativas de hoje em dia.

NOTA: Distopia é uma palavra do âmbito da Medicina que caracteriza a localização anormal de um órgão.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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