Intenções, promessas, realidade e queda

Escrito por Jorge Noutel

“O problema da falta de médicos no SNS vai-se agravar com a aposentação/reforma de milhares de clínicos. Prevê-se que só em 2022 atinjam a idade de aposentação/reforma 1.089 médicos.”

O primeiro-ministro António Costa apresentou o programa do seu governo iniciando a sua leitura com um preâmbulo através do qual se percebe de imediato que a ideia é dar aos portugueses frases bonitas para combater a miséria. Da «boa governação – contas certas para a recuperação e convergência» percebem-se os eixos com que a carroça vai ser puxada. Um dos eixos será um pacote integrado de medidas que tenha em conta a preservação da capacidade produtiva do país, a ajuda às empresas com dificuldades de tesouraria e às famílias, e a defesa contra os aumentos exponenciais do preço da energia e dos bens alimentares. Ou seja, o governo mistura o liberalismo económico concedido às empresas com a proteção às mesmas em momentos de dificuldade financeira, colocando em pé de igualdade a ajuda a empresas falidas com a ajuda a famílias na miséria. Tudo isto porque há muito que o país perdeu toda e qualquer capacidade em controlar, atuar e defender o que quer que seja ao nível do económico e financeiro. Basta atentar no que se passa com o Orçamento de Estado, primeiro enviado aos tecnocratas de Bruxelas e só depois votado em Portugal.
Já o segundo eixo, focado em objetivos de médio e longo prazo, tem a ver com a mudança do modelo de desenvolvimento económico do país, o qual deve basear-se na inovação tecnológica e na melhoria significativa da literacia financeira e de gestão, bem como na melhoria do ecossistema de inovação e ligação entre as universidades, politécnicos, centros de inovação e empresas, passando pelo reforço contínuo das qualificações dos trabalhadores, da formação profissional efetiva, a capitalização das empresas com menos recurso ao crédito bancário. Ou seja, uma extensa lista de boas intenções. Qualificações dos portugueses? Para, com os salários que todos conhecemos, alimentarem os mercados de trabalho dos outros países? Melhoria da educação com a municipalização das escolas e a progressiva proletarização da larga maioria do pessoal docente e não docente, com a submissão aos caciquismos locais e introdução de novos mecanismos de diferenciação interna e estrangulamento na progressão?
Não esquecer que estes dois eixos da carroça vão ficar subordinados a um objetivo que o governo considera prioritário, e que é o de «contas certas», com redução da dívida pública em 2023 para um nível inferior a 116% do PIB. Lembrar que no 4º trimestre de 2021 era de 127% do PIB. A intenção de a reduzir, no final da legislatura, para um nível pouco superior a 100% do PIB só será possível, por exemplo, à custa de mais estrangulamentos no SNS e noutras áreas da vida social, isto quando já foi num governo de Costa que o número de portugueses sem médico de família atribuído aumentou de 750.767 para 1.169.312, ou seja, mais 58%…
O problema da falta de médicos no SNS vai-se agravar com a aposentação/reforma de milhares de clínicos. Prevê-se que só em 2022 atinjam a idade de aposentação/reforma 1.089 médicos. Embora este problema seja de uma extrema gravidade, no entanto o programa do governo nada diz sobre ele, e muito menos sobre o pormenor de já todos termos percebido que, por mais médicos que formemos, faltam as condições para os remunerar depois de forma competitiva e para lhes proporcionar uma carreira que seja atrativa e concorrencial com as opções que encontram no setor privado ou fora do país. Poderíamos apontar o mesmo tipo de omissão a outras áreas fundamentais, como a educação, a justiça, ou as forças de segurança.
Em relação ao previsível aumento da pobreza causada pela escalada do aumento de preços, o que aparece no programa é a criação de «uma prestação social única para as prestações de cariz não contributivo assegurando a sua eficácia no combate à pobreza» que, no entanto, não mais parece ser do que a junção numa única prestação das várias existentes. O único apoio social novo anunciado pelo governo para responder à crise social causada pela pandemia e pela guerra, divulgado pelos media, é o pagamento apenas uma única vez, em abril, de 60 euros, aos pobres abrangidos pela tarifa social de eletricidade, cerca de 750.000, apesar dos portugueses a viverem abaixo do limiar da pobreza serem já quase dois milhões.
Enquanto isso, as reformas douradas continuam a proliferar. E mais uma vez sobre a corrupção, nem uma única linha! Diz tudo do que é este governo…

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Jorge Noutel

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