Humanismo

«O Portugal europeu e moderno precisa urgentemente de mão de obra, precisa de trabalhadores qualificados ou para fazerem «o que os portugueses não querem fazer»»

Foi preciso vivermos um ano em pandemia para despertarmos para a nova realidade da imigração. E da forma como tratamos os trabalhadores, sem direitos, que precisamos e exploramos.
O caso de Odemira, que podia ser em muitos outros concelhos do país, e em especial do Alentejo, veio levantar o véu sobre a intolerância nacional ao desconhecido, aos imigrantes, aos trabalhadores indocumentados, aos pobres e às pessoas de outra cor ou credo. O “ai Jesus” que ouvimos, quando o autocarro chegava ao Zmar com os imigrantes que as autoridades realojaram durante a madrugada naquele complexo, é uma exclamação racista de repulsa, de repúdio, de ódio que sobe pelas entranhas contra a pobreza e a miséria de quem teve o infortúnio de nascer no Nepal ou no Bangladesh, ou em outro qualquer outro lugar onde se sobrevive desgraçadamente.
Os imigrantes asiáticos fazem-nos lembrar os portugueses que nos anos 60 fugiram “a salto” para a Europa. Que chegaram a França sem “papéis” dispostos a tudo para ganharem para comer. Explorados na sua inocência, na sua disponibilidade, na sua humildade – «não davam problemas e aceitavam tudo». Os muitos que viveram miseravelmente nos “bidonville” às portas de Paris trabalharam duro para sobreviver, aceitaram o trabalho que lhes era dado sem pestanejar e que os franceses não queriam fazer, sobreviveram esforçadamente e triunfaram com humildade. Podiam ser imigrantes portugueses, como nos idos de 60. Podiam ser portugueses que trabalhavam nas explorações agrícolas da Europa, que hoje já têm os direitos dos europeus, mas que há 50 anos eram enxovalhados e explorados. E podiam ser portugueses explorados na Europa em pleno séc. XXI, como tantas vezes vemos e ouvimos… Se mais razões não houvesse estas bastariam para olharmos para a situação de Odemira (e outras similares) com responsabilidade social e humana. Se mais razões não houvesse a mera imagem de que não devemos fazer aos outros o que não queremos que nos façam a nós – quando o que vemos é racismo, exploração inenarrável ou exploração inaceitável e esclavagista dos trabalhadores.
O Portugal europeu e moderno dispensa esta forma de tratar os imigrantes. O Portugal europeu e moderno precisa urgentemente de mão de obra, precisa de trabalhadores qualificados ou para fazerem «o que os portugueses não querem fazer», como neste caso, o trabalho agrícola de mão de obra intensiva e que, legitimamente, as novas empresas agrícolas contratam, por vezes sem respeitar os direitos dos trabalhadores.
Esta não é uma questão ideológica. Este não é um problema deste governo ou dos socialistas. Este é um problema do país e da sociedade como um todo – mesmo não tendo dúvidas que o ministro Eduardo Cabrita é um elefante numa loja de porcelanas cuja intervenção, quase sempre ziguezagueante, inadequada e errónea, adensa a carga negativa das medidas e promove a divergência quando devia contribuir para a solução e a resolução dos problemas.
A visita do primeiro-ministro tunisino à Guarda, ou ao maior investimento de capitais tunisinos no estrangeiro, é a confirmação do mundo global em que vivemos. O sucesso da Coficab é uma prova do saber fazer da Guarda e de Portugal. E, independentemente da origem do capital (que não tem pátria), o mais relevante são as pessoas. Por isso, na Guarda ou em Odemira, viver com humanismo e dar oportunidade a todos é uma equação simples e determinante para o sucesso das empresas e dos empreendimentos.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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