«En nome do padre. E do filho. e do spritu santo. Esta é a carta de foro. A qual encomendey seer eu don Sancho. pella graça de Deus Rei de Portugal ensembra com meu filho. Rei dõ alfonso. e os outros filhos. e mais filas. A vós provadores da cidade da Guarda. assi <a>os que ora sum: com os que an-de vijr»1
Assim começa o Foral outorgado por D. Sancho I à Guarda em 1199. No momento em que se celebram os 825 deste momento definidor, importa voltar ao princípio.
Com este documento, D. Sancho I queria povoar a região transfronteiriça e contribuir para a defesa do, naquele tempo, jovem Reino. Como tal, o documento concedia um conjunto de benefícios e regalias muito significativas para os cidadãos da Guarda.
Volvidos 825 anos, não é necessário defender as nossas fronteiras do vizinho terrestre, transformado em parceiro e amigo pelo curso da História.
Contudo, o despovoamento voltou a ser um grave problema e uma ameaça real à continuidade desta região enquanto núcleo civilizacional dinâmico, atrativo e com futuro. Problema que não é unicamente nosso, como o conceito de Espanha Esvaziada, entretanto materializado em movimento político, comprova.
Vivemos num território envelhecido, em que nascem cada vez menos crianças e em que se retêm cada vez menos jovens, sobretudo os qualificados.
Esta evolução, década após década, redundará no definhamento a médio prazo da Guarda, em particular, e do Interior, no geral.
Mas não tem de ser assim.
A Guarda possui um conjunto de qualidades e potencialidades que nos dão esperança.
Uma qualidade de vida invejável face aos grandes centros urbanos. Condições ambientais ímpares. Uma oferta natural extraordinária. Uma gastronomia excecional. Boas vias rodoviárias na cidade e no concelho. Um significativo volume de exportações, dos maiores entre as capitais de distrito do Centro. Conexões rodoviárias diretas ao resto do país e à Europa. Posição privilegiada na ferrovia – reforçada quando concluída a Linha da Beira e Alta e, mais longinquamente, a alta velocidade. Qualidade no ensino básico e secundário. Uma instituição de ensino superior que atrai estudantes e pode fixar futuros habitantes, com capacidade reforçada após a aprovação de duas residências de estudantes. Uma região que recebe e forma bem, mesmo nas áreas mais exigentes e especializadas como o Internato Médico – patente no Inquérito de Satisfação do Internato Médico 20232, em que a ULS da Guarda é a instituição de saúde com melhor resultado de satisfação global.
Mas, não é suficiente. Pode fixar algumas pessoas, promover um turismo sazonal ou aquecer a alma nos regressos pontuais da diáspora guardense espalhada pelo país e pelo mundo. Mas, não é suficiente.
É necessário emprego, qualificado e com salários atrativos, em setores de atividade dinâmicos e que acrescentem valor. Só assim se poderão reter os de cá e seduzir os de fora.
A Guarda tem feito esse caminho, com a ampliações sucessivas da sua plataforma logística, a inauguração em 2022 de um centro tecnológico no centro histórico e a aprovação de um segundo para o mercado municipal. É essencial continuar este trajeto.
Nesse sentido, a maior potencialidade da Guarda é o Porto Seco, ideia com o cunho do Presidente da Câmara Municipal. Um verdadeiro “novo Foral” que é, provavelmente, a última grande oportunidade do concelho.
É neste momento ainda só uma potencialidade pela absoluta inépcia de execução em tempo útil da Linha da Beira Alta pela Infraestruturas de Portugal. Os penosos e sucessivos atrasos desta empresa pública têm, inclusivamente, permitido a criação de plataformas concorrentes e relembram-nos, uma vez mais, da culpa do Estado central no esquecimento a que foi votado o Interior.
A concretização deste “novo Foral”, dependente do empenho do Governo e da continuação da capacidade e tenacidade locais, pode influenciar decisivamente as próximas décadas da Guarda.
O 850º aniversário da Guarda, daqui a 25 anos, será um excelente momento para perceber se fomos capazes de apanhar o comboio. Até lá, continuemos a trabalhar para isso.
* Deputado do movimento independente “Pela Guarda” na Assembleia Municipal da Guarda
1 Almeida, M. L. (1996). Foral da Guarda: caracterizaçao do documento. Máthesis, (5), 247-264. https://doi.org/10.34632/mathesis.1996.3762
2 https://ordemdosmedicos.pt/wp-content/uploads/2017/09/Inquerito_IM23_resultados.pdf