Há sempre opções de classe com consequências no custo de vida

Escrito por Honorato Robalo

“Sempre fomos contra a especulação imobiliária, porventura há necessidade de simplificar processos, incentivos e acarinhar quem genuinamente quer requalificar, sabendo que está subjacente uma fonte de rendimento. “

Assistimos mais uma vez à discussão em torno do abandono do dito centro histórico da cidade da Guarda e mais uma vez incidindo nos edifícios devolutos, em alguns casos, na minha opinião, não resta outro caminho que não seja a demolição.
Numa perspetiva liberal é a aposta no dito mercado, no entanto, os mesmos apressam-se pelo socorro do Estado, leia-se financiamento público para investimentos privados, agora com a panaceia do PRR. Muitos arvoram argumentos que tudo é canalizado para o Estado e nada para as empresas.
Quando apostamos na necessária e urgente intervenção nos edifícios devolutos e na requalificação do Pavilhão 5 espero que haja vontade política do PS, pois o PCP, mesmo com seis deputados e sem nunca ter tido qualquer eleito pelo círculo eleitoral da Guarda, não deixou de apresentar propostas concretas na defesa do investimento necessário no SNS, da exclusividade dos trabalhadores do SNS, tal como dos incentivos de fixação dos médicos de família no distrito da Guarda. Haja vontade política de investimento público no Interior que por arrasto as empresas privadas serão envolvidas no processo.
Apresentámos propostas concretas aquando das eleições autárquicas, infelizmente não foram maioritariamente sufragadas pelos guardenses. No entanto, relembro sinteticamente a criação, no edifício do antigo Hotel Turismo, de uma escola pública de ensino especializado de artes (música, dança, teatro e artes plásticas), em estreita ligação com a programação cultural e a criação artística do concelho; a criação na cidade de um Centro de Arte Contemporânea com o incentivo à instalação de galerias de arte e de outros espaços culturais no centro histórico, sem esquecer o fundamental, o apoio ao comércio tradicional. Tudo interligado numa matriz cultural aproveitando as boas experiências no nosso pais, onde destaco Évora, também candidata a Capital Europeia da Cultura e cidade no interior.

Apresentámos como proposta a sinalização e dinamização de edifícios culturais porque a Guarda possui diversos edifícios abandonados com grande potencial para manifestações artísticas diversas. Há, no entanto, entraves que levam ao abandono e, sobretudo, ao despovoamento do centro histórico por decisões erradas dos sucessivos executivos municipais. Recordo bem que um património ao abandono e intervencionado por um privado levou-nos à paupérrima imagem junto à muralha da nossa cidade, o que vimos mais uma vez mais foi o património público refém de interesses privados. Sempre fomos contra a especulação imobiliária, porventura há necessidade de simplificar processos, incentivos e acarinhar quem genuinamente quer requalificar, sabendo que está subjacente uma fonte de rendimento. O problema está quando há desequilíbrios ou distorções que comprometem os direitos dos inquilinos, daí o PCP ter apresentado no Parlamento um projeto de lei com vista à alteração do Regime de Arrendamento Urbano.
Um estudo divulgado volta a pôr o dedo na ferida: o problema do arrendamento urbano é estrutural, com o Estado a empurrar para os privados as responsabilidades que são suas. Num ano marcado pelo aumento do custo de vida, a crescente dificuldade no acesso à habitação é um dos problemas que urge resolver. Do preâmbulo do diploma que o PCP entregou na Assembleia da República saliento o alerta para situações de não renovação de contratos que afetam as famílias, mas também as pequenas e médias empresas, e para o imediato aumento das rendas para valores incomportáveis, fruto da especulação imobiliária.
No essencial, este problema já poderia estar resolvido no plano legislativo se o PS tivesse aprovado as propostas do PCP na Assembleia da República, ao invés de alinhar com os partidos da direita para as inviabilizar, como veio a acontecer sistematicamente nesta matéria em 2021. A par de alterações ao Código Civil, designadamente impedindo a caducidade do contrato de arrendamento com base, por exemplo, num direito temporário ou em administração de bens alheios, o PCP propõe alterações ao Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), extinguindo desde logo o Balção do Arrendamento. Recordo as propostas para fixar jovens no centro histórico, com espaços de alojamento para estudantes do ensino superior e para casais jovens e salvaguardar os residentes idosos. Há, no entanto, outros constrangimentos, caso das alterações ao Regime de Celebração do Contrato de Arrendamento Urbano e a legislação aprovada em 2020, possibilitando fazer coincidir com o início do ano civil o fim do diferimento no pagamento da renda e alargar o prazo de pagamento da quantia em mora, dando sustentabilidade, quer à manutenção do contrato, quer ao pagamento da renda.
Outra matéria fundamental é a reposição da fixação dos preços, nomeadamente dos combustíveis tendo presente a publicação da portaria do Governo, onde se determina a redução do valor do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) em cerca de 16 cêntimos por litro no gasóleo e na gasolina. A decisão alimentou legítimas expetativas nos consumidores de algum alívio na fatura, o que não se verificou. Tendo em conta que as gasolineiras subiram os preços antes de impostos, a redução fiscal não foi refletida e a descida, nalguns casos, não foi além de cinco cêntimos, como denunciou o PCP. Ou seja, as gasolineiras apropriaram-se do resto do valor que devia ir para o bolso dos consumidores, já muito desgastados com a subida geral dos preços. Infelizmente, os consumidores não são acarinhados pelo PR. Basta constatar as suas declarações, de não ter «dados para saber exatamente o que se passou», salientando que «o que acabou por dar mais que falar foi a coincidência no tempo destas questões e a divulgação dos resultados das empresas». Entretanto, só os lucros da Galp aumentaram 496% no primeiro trimestre.
Negligenciando as consequências da privatização e liberalização das empresas do sector da energia, motivadas pelo lucro e indiferentes às necessidades que o país vive, o PR admitiu que tal terá «levado alguns sectores de opinião a ficarem perplexos pela coincidência no tempo, mas isso é problema que tem a ver com a comunicação e gestão das empresas, não cabe ao Presidente da República considerar prudente, sensato ou oportuno haver posição numa altura em que pessoas estão muito sensíveis». É fundamental relembrar que não são todos iguais: há uns que têm uma opção de classe diferente do PCP, daí que, em setembro de 2021, PS, PSD, CDS-PP, PAN, Ch e IL rejeitaram um projeto de lei do PCP com vista à imposição de preços máximos nos combustíveis.

* Militante do PCP

Sobre o autor

Honorato Robalo

Leave a Reply