O destino dos restos mortais de Eça de Queiroz está na ordem do dia. Há quem os deseje prender ao cemitério de Baião, onde repousam, e quem anseie que a resolução da Assembleia da República de os elevar às honras do Panteão Nacional seja cumprida.
O grande escritor não merecia que a sua memória andasse nestas bolandas. Mas talvez ninguém as compreenda tão bem quanto ele, que captou com argúcia e ironia a essência provinciana, interesseira e canalha da política nas pequenas cidades portuguesas. Seja na Leiria de “O Crime do Padre Amaro”, seja na imaginária Oliveira de “A Ilustre Casa de Ramires”, toda a mediocridade, falta de escrúpulos e ridículo dos senhores locais do século XIX ficou cunhada como uma grelha de leitura para os dias de hoje.
A Câmara Municipal da Guarda é, aliás, boa fonte de inspiração para futuros romances. Liderada por um presidente que nada faz, que não tem ambição, nem ideias, nem projetos, preocupado apenas com a sobrevivência política, dedica-se a organizar excursões como pináculo de uma gestão autárquica que elege as tascas, as missas e as sacristias como palcos de eleição.
Com que ironia Eça de Queiroz descreveria a ida de mais de mil seniores da Guarda a Coimbra no Dia Internacional da Pessoa Idosa, para visitar o Jardim Botânico e serem conduzidos a uma missa na Sé Nova celebrada pelo bispo… da Guarda. Levar fiéis e bispo a Coimbra para fazer uma missa!!! Como é que D. Manuel Felício se presta a tal instrumentalização dos mais velhos para fins eleitorais futuros?
Lá deve ter comparecido Álvaro Amaro, porque é em Coimbra que vive a sombra negra da política da Guarda. Álvaro Amaro anunciou em 2019 que ia deixar a presidência da Câmara para concorrer pelo PSD às mordomias dos deputados europeus, mas tão agarrado estava à sua cadeira municipal que, já quase em campanha, os partidos da oposição ainda tinham que exigir que renunciasse a ela.
De Bruxelas conspirou contra o PSD local, apoiando a cisão de Sérgio Costa com o partido. E quando este foi eleito considerou-o «mobilizador» e aconselhou «a sociedade a abraçar o novo projeto» que tirou a autarquia ao PSD.
Depois veio a sua condenação no caso das parcerias público-privadas. Mais uma vez demorou uma eternidade a deixar o cargo que tinha – e, quando voltou de vez, anunciou que ia «tudo fazer para recuperar a Câmara da Guarda para o PSD». Ou seja, voltar a enfiar Sérgio Costa no partido.
É uma pena não existir um Eça de Queiroz da Guarda para escrever este romance. Enredo não falta.
* Presidente Conselho Distrital da SEDES Guarda