Convidam-me a escrever uma crónica sobre a cidade da Guarda que celebra a bonita idade de 821 anos. Sim, é sobre a “Minha Cidade” que me pedem que escreva. Não nasci aqui, é certo, mas a Guarda viu nascer os meus pais, os meus avós, os meus bisavós… Só um “acidente” de percurso que obrigou os meus progenitores a darem novos mundos ao mundo fez com que eu e os meus irmãos tivéssemos nascido em Angola, voltando à “cidade berço” quando a guerra colonial nos impeliu a regressar a Portugal, tinha eu 6 anos.
Por tudo isso, sim, a Guarda é a Minha Cidade! Este regresso, da minha e de tantas outras famílias, explica um pouco do ADN da Guarda: só se regressa aos locais que consideramos “nossos”, onde o coração está ternamente preso, da mesma forma como só se parte daí se os horizontes nos permitirem ver com lucidez e clareza o local para onde vamos, sabendo que nos será fácil encontrar o caminho de volta, se assim o entendermos. A Guarda tem essa enorme vantagem: tem o Ir e o Voltar ao alcance da mão de cada um de nós. Seria um “dejá vu” falar-vos da posição estratégica, dos recursos endógenos, do ar ou da água, das paisagens, tão agrestes quanto marcantes…
É de futuro que vos venho falar. Do futuro onde poderemos estar tranquilamente sabendo que ninguém foi deixado para trás, abandonado, delapidado dos seus sonhos, das suas expectativas. O futuro em que podemos ter condições de envelhecer ao lado dos nossos filhos e netos, um futuro onde a comunidade se junta para trocar ideias, sugerir melhorias, dar contributos para que cada um se permita sentir, verdadeiramente, da Guarda. Não se fazem caminhos sem pessoas para os calcorrear. Não se fazem caminhos à custa do “vale tudo”.
Vivenciamos, neste momento, um dos momentos mais críticos da história mundial: a pandemia por Covid-19. Vivemos num presente que nos exige respostas e adaptações diárias, compreensão, capacidade para distinguir a realidade da “espuma dos dias” (essa é cada vez mais volátil) e muita coragem. Acredito que no final desta pandemia a cidade (pessoas, instituições, empresas que na Guarda encontram o seu local de eleição para viver, trabalhar e desenvolver a sua atividade) terá mudado também. Porquê? Porque temos a capacidade de aprender com os erros e de nos adaptarmos à mudança.
Continua a faltar-nos o fórum: o espaço de partilha onde a decisão do que realmente importa para o desenvolvimento da região tenha raízes na governança, que todos sejamos chamados a dar o nosso contributo. Repugna-me que da Guarda se diga que não há “massa crítica”. A massa crítica existe, mas quem disponibiliza o seu conhecimento à comunidade, nas diversas áreas, não pode ser, consecutivamente, vítima de segregação por tê-lo feito. A Guarda precisa de um pacto: para o desenvolvimento, a globalização, a fixação de pessoas, as relações transfronteiriças, a tecnologia, a saúde, os projetos estruturantes para a região, a proteção dos nossos idosos, a educação das nossas crianças.
A Guarda precisa de um Pacto Ecológico! O futuro é agora! Pinta-se de economia verde e azul baseada no conhecimento e na investigação, com umas boas pinceladas de tolerância e uma dose qb de utopia. Será a Guarda capaz de vencer este desafio? Ficaria bem terminar o artigo com uma certeza categórica da vitória do sim… Perdoem-me “passar a bola” para cada um de vós. O resultado no placard, no final do jogo, dependerá do contributo de cada um de nós e da capacidade de “incansavelmente” nos mostrarmos descontentes com a mediocridade, intolerantes com a prepotência, combatentes na luta contra a corrupção e segregação, bloqueadores da informação falsa e deficiente.
Para quem ainda não tenha entendido: vivemos em tempos de guerra. Esta não é a primeira guerra que vivencio. Nas guerras, sem exceção, todos somos chamados. Ou somos heróis ou somos desertores… Ou traidores. Cada um é responsável por “escrever” a sua história. Cada um escolherá de que lado constará o seu nome.
Técnica municipal e empresária