Foi apresentada na passada semana, no pequeno auditório do TMG, o executivo da candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura, presidido por Pedro Gadanho.
Escutei com atenção as propostas que tem em carteira e, reconhecendo toda a capacidade ao arquiteto, percebe-se que o exercício de retórica deu lugar a inúmeras figuras de estilo que poderiam servir genericamente para justificar a candidatura de uma ou de todas as outras cidades candidatas. Fiquei a saber que o fator de união entre os 17 municípios, apoiantes da nossa candidatura, poderá ser uma ciclovia, mesmo conhecendo a morfologia das serranias beirãs, pois quanto ao resto, quanto aos costumes, disse nada.
Aceitando que esta candidatura deve ter em conta a valorização do património, a que se somam manifestações culturais, correntes artísticas, criação, mobilização, defesa do ambiente, numa promoção do diálogo cultural, é de todo o reconhecimento entender que a Guarda consegue satisfazer todos estes pressupostos podendo surpreender todas as outras candidaturas.
A Serra da Estrela é Geoparque da UNESCO e o mesmo se passa com as gravuras rupestres do Côa, temos a maior bacia hidrográfica do país, rio Mondego, rio Zêzere a desaguar no Tejo, Côa a desaguar no Douro. O riquíssimo ecossistema do rio Águeda, as serras da Marofa e Malcata, as praças-fortes, as aldeias históricas, pelourinhos, calçadas romanas, monumentos megalíticos: Almeida, Castelo Rodrigo, Celorico da Beira, Linhares, Trancoso, Marialva, Sabugal, Sortelha, Vilar Maior, Jarmelo, Belmonte, Castelo Mendo, Castelo Novo. A principal fronteira terrestre. As duas linhas de caminho-de-ferro: Beira Alta e Beira Baixa. A A23 e A25 (de preferência sem portagens). A produção do vinho do Porto, a produção dos vinhos do Douro, das Beiras e do Dão. O resistente sector têxtil. O melhor queijo do mundo. O de cabra, o segundo melhor do globo. O mel, o azeite, a amêndoa, o termalismo e o nosso ar. A vaca jarmelista, a ovelha churra e bordaleira, o cão da serra, o artesanato, as praias fluviais. Os monumentos da cidade. A nossa catedral. A presença judaica. As sinagogas. O turismo religioso, a cultura popular, a gastronomia beirã, a fauna e a flora serrana, a neve, o Museu dos Lanifícios, a cereja, a ginja, o TMG, a UBI e o IPG. O abraço fraterno, a proximidade de “nuestros hermanos” de Castela e Leão.
E depois os inúmeros rostos que a História identifica: Afonso Costa, Augusto Gil, Rui de Pina, Almeida Santos, Veiga Simão, Carvalho Rodrigues, Sacadura Cabral, Virgílio Ferreira, Dinis da Fonseca, Vilhena de Carvalho, Mário Canotilho, Pinto Monteiro, João de Almeida, Avelãs Nunes, Esperança Pina, José Rabaça, João Gomes, Pinto Peixoto, Abel Manta, Pina Monteiro, Patrício Gouveia, Pinto Balsemão, Avelino Cunhal, Odete Santos, Pinharanda Gomes, Nuno de Montemor, Sousa Martins, Lopo de Carvalho, Botto Machado e Eduardo Lourenço, estas algumas das muitas personalidades que podem figurar no enorme livro do registo beirão.
A Guarda tem história. Assim, logo após a independência de Portugal foi criada uma província fronteiriça designada por Beira, cuja capital era a Guarda. Aliás, a evolução do termo Beira foi muito bem explicado por Pina Manique e Albuquerque nas suas crónicas do jornal “O Districto da Guarda” e este evoluiu de tal forma que se estendeu até ao litoral. A nossa terra foi o centro de toda a evolução chegando a ser proposto a Oliveira Salazar, em agosto de 1937, a constituição de uma província designada por Beira Serra, cuja capital era na Guarda.
Uma outra questão tem a ver com a participação e empenhamento do movimento associativo em todo este processo. A Guarda, fruto de vários fatores, é o exemplo vivo daquilo que é a riqueza associativa, onde mais de um terço da população assume postura de grande responsabilidade e participação.
Neste preciso momento nota-se um enorme distanciamento da candidatura para com o mundo associativo consubstanciado, apenas e tão só, no chamamento para apadrinhar as suas comissões, estando muito a tempo de inverter este estado de coisas e assim envolver a população, entendendo, em definitivo, que este mundo está em condições de o fazer, pois aqui luta-se diariamente por aquilo em que se acredita, sabe-se estar e, de certeza absoluta, não se pede nada em troca.
Sem o envolvimento efetivo do mundo associativo, a que se soma a motivação para uma forte participação da população nesse processo de cidadania, a candidatura está coxa, não tem os dois pés para andar. As muletas, por mais importantes que sejam, são muletas e continuarão a ser eternamente muletas.
Estando de alma e coração no apoio a esta candidatura, e não pretendendo fazer o papel do tal velho do Restelo, tenho para mim que a forma e conteúdo desenhados nunca serão interpretados como os melhores indicadores para a escolha da Guarda para Capital Europeia da Cultura. A leitura está feita. O poder político fez a sua opção. No próximo ano cá estaremos para lhes dar os parabéns, ou não. Vitória moral aqui não interessa para nada.
Quanto ao resto tem a ver com o tempo. Esse, que é de certeza o melhor conselheiro. E esse tempo nos dirá…