A greve dos camionistas teve dois efeitos contrários. Pôs o país em crise energética e o Governo a todo o gás. O primeiro-ministro, mesmo sem rumo certo, é reconhecidamente um exímio condutor de matérias perigosas e inflamáveis, nomeadamente as várias estirpes de comunismo que pululam no nosso parlamento. Com a ajuda do seu co-piloto, que há poucos anos queria deixar os banqueiros alemães com as pernas a tremer, conseguiu manter a extrema-esquerda e as centrais sindicais em silêncio numa das maiores demonstrações de força de um governo contra grevistas de que há memória. Além de bom motorista, o primeiro-ministro é um óptimo amestrador de vida selvagem. A esquerda radical, que por esse mundo fora instalou regimes ditatoriais e causou milhões de mortos, em Portugal não é sequer capaz de protestar. Domesticar estalinistas e trotskistas parece-me uma espectacular acrobacia circense. António Costa consegue enfiar o braço e a cabeça dentro da boca aberta do leão e o bicho, em vez de o abocanhar, como faria noutras paragens, não mexe os maxilares nem para bocejar. (Note-se que não estou a reclamar contra a sossego da extrema-esquerda. Nem contra a irrelevância da extrema-direita. Que o ódio mútuo os mantenha quietos a ambos por muitos e bons anos.)
António Costa mostra também dotes de bombeiro, pela galhardia com que lida com fogos políticos (pelo contrário, tem alguns problemas em lidar com fogos florestais.)
A política deste Governo pode resumir-se a estas três situações, aquilo que António Costa faz com mestria: conduzir matérias sensíveis aos ziguezagues, conviver de perto com espécies perigosas e apagar fogos sem se espatifar, ser abocanhado ou acabar esturricado.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia