Galinhas, raposas, jogadas e lamúrias

Escrito por Jorge Noutel

«São impressionantes a facilidade e a eficácia com que a Covilhã contrata, em todas as especialidades, em oposição à Guarda»

O “NOSSO” Hospital, público, volta a ser notícia pelos piores motivos. A recente publicação do mapa de vagas de médicos para especialidades carenciadas deveria fazer os guardenses refletirem muito bem no futuro que se avizinha. A nível hospitalar, a Guarda teve direito a 6 vagas. Castelo Branco teve direito a 14 e a Covilhã a 26, somando 40 vagas para o distrito vizinho. Isso mesmo, 40 vagas contra 6! Cantanhede, com uma população dependente muito inferior à da Guarda, teve direito a 4 vagas. A Figueira da Foz recebeu 10 vagas. Na Guarda, as vagas foram distribuídas por quatro especialidades, em Castelo Branco por 12 e na Covilhã… por 23!
Claro que vaga atribuída não é vaga preenchida. Mas é uma janela para dentro da cabeça de quem manda e para dentro dos que se dizem defender a Guarda e a cada ato apunhalam os resistentes que por cá vão aturando todos os desmandos. O futuro está escrito neste mapa de vagas.
O objetivo do poder central, e dos falsos e hipócritas acólitos, é colocar tudo aquilo que possa ser colocado na Covilhã. A estratégia, durante muitos anos, foi de confronto. Como os políticos da terra nunca cumpriram com a sua obrigação, a luta caiu na rua. E, nesse cenário, quem a conduziu foram os médicos. Alguns médicos. Foram eles, objetivamente, quem travou essa guerra, pelo menos até ao momento. Fizeram o impossível e impediram o encerramento de vários serviços. Quem pode negá-lo?
O poder central percebeu nessas diversas batalhas que se tentasse liquidar à força valências na Guarda, ou na Guarda e em Castelo Branco, arriscava-se a ver implodir a Faculdade de Medicina da Beira Interior, que, recorde-se, não é da Covilhã, mas sim das três cidades, com a Covilhã a ter um papel menor no ensino médico. Por isso, foi obrigado a um recuo tático e a adotar outra estratégia. Tomando finalmente consciência de que a Covilhã nunca ganharia numa guerra direta de competências com a Guarda e Castelo Branco, para mais em simultâneo, a estratégia passou a ser “um inimigo de cada vez”. Como os políticos da Guarda sempre foram absolutamente incompetentes a defenderem a região que dizem representar, ao contrário dos de Castelo Branco, a Guarda passou ao estatuto de primeiro alvo.
São impressionantes a facilidade e a eficácia com que a Covilhã contrata, em todas as especialidades, em oposição à Guarda. No dia em que a Covilhã for dona dos nossos partos e da nossa Urgência médico-cirúrgica, o que poderá não demorar muito, terá muito mais músculo do que a simples soma das capacidades da Guarda e Covilhã. Aí sim, Castelo Branco passará a ser o próximo alvo. Para quem perceba, minimamente, algo da vida de um hospital e se tiver dois dedos de testa perceberá que a Anestesiologia é um serviço fundamental em qualquer hospital. Sem Anestesiologia não há maternidade, nem Urgência médico-cirúrgica, nem cirurgias programadas que se vejam. Nada funcionará. Só o milagre da contratação extra concursal nos pode manter à tona.
Ora, é precisamente pela falência do serviço de Anestesiologia que querem destruir todas as outras valências do “NOSSO” hospital, que ainda é público. Face a toda esta evidente catástrofe, que fazem os putativos políticos ou nomeados pelo poder central ou ditos representantes dos cidadãos do distrito? Nada, como sempre. Limitam-se a sentarem-se nas cadeiras dos vários poderes e “bocejam”, que a canícula aperta. O atual presidente da Câmara da Guarda, Chaves Monteiro, eleito pelas listas do PSD, e agora apoiado pelo CDS, de novo candidato nas próximas eleições autárquicas, vem dizer, uns dias antes da publicação das vagas, e em plena sessão para apaniguados seguidores, que com ele haverá um hospital privado na Guarda. Para dias depois, e após serem conhecidas as poucas vagas que o “NOSSO” hospital foi beneficiado, vir criticar, espanto dos espantos, o número de vagas abertas. Chaves Monteiro diz mesmo que o corpo clínico não é reforçado na Guarda por falta de médicos, mas sim pela ausência de abertura de vagas.

A hipocrisia é total. Por um lado anuncia um hospital privado, que irá muito naturalmente retirar médicos, enfermeiros e técnicos ao hospital público, e, por outro lado, critica tudo e todos por, ao longo de anos, incluindo a sua presidência e a do seu colega Amaro, nada ter feito por aquilo que o próprio designou por «o número de vagas abertas para a colocação de médicos na ULS da Guarda tem sido um assunto recorrente dos últimos anos», mas Chaves Monteiro, na qualidade de presidente da Câmara, entende que esta é a altura de se impor contra esta tomada de decisão. Agora é que vem com promessas? É tarde, muito tarde e só revela que são as eleições a determinarem o ziguezaguear das opiniões de Chaves Monteiro.
Mas as hipocrisias sucedem-se a um ritmo alucinante. O próprio presidente da ULS da Guarda, João Barranca, veio dizer, através de comunicado assinado pela Comissão Administrativa da ULS, sem ter tido a coragem de dar a cara perante a comunicação social, que achava «pouco equitativa» a distribuição das vagas à ULS da Guarda. Pouco equitativo? Mas isto é assumir que a Administração não quer afrontar a tutela e manter-se na paz podre do deixar correr o marfim para proveito próprio. Hipocrisia! Depois de várias críticas lá conseguiu enfrentar os jornalistas e anunciar que vai haver recrutamento de médicos.
Vai? O candidato do PS à Câmara da Guarda vem dizer que quer reverter a situação através do diálogo. Lembrar ao senhor candidato Luís Couto que todos os partidos do arco do poder têm delapidado as potencialidades e reduzido as valências da ULS da Guarda. E muito em particular o partido que diz apoiá-lo. Sejamos sérios. Não preciso lembrar situações passadas? Por fim questiono o papel de membros do Governo do PS, uma tal secretária de Estado da Ação Social, que, por sinal, até tem delegação aqui na Guarda, e da ministra da Coesão Territorial e da ministra da Segurança Social e do Trabalho, candidata a presidente da Assembleia Municipal da Guarda pelo PS, sobre as diretas implicações neste desconsiderar dos cidadãos da Guarda.
E, por fim, que dizer dos ditos representantes parlamentares. Uns que são representantes diretos, eleitos, outros que dizem defender os interesses dos cidadãos mesmo não sendo eleitos, que nem um esboço de indignação, revolta ou um coice na desconsideração governamental face aos cidadãos do distrito da Guarda. Amorfos e calados. A hipocrisia de sempre.

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Jorge Noutel

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