As dificuldades do passado, a incerteza sobre o presente próximo e o medo do futuro confluem num vórtice mediático que torna a política nacional ainda mais representada do que representativa. Já não é a conhecida, e até natural, teatralização da política, é a política de teatro.
O sistema político atravessava já uma fase de reajustamento, sobretudo desde que, há quase um ano, um PS eleitoralmente fortalecido e um PCP das urnas enfraquecido quiseram preparar o futuro deixando a geringonça no passado. E também graças à chegada de novos partidos à Assembleia da República e, com isso, à entrada no Parlamento de um populismo longe de estar de saída.
A crise sanitária virou do avesso o tabuleiro em que as peças eram recolocadas e acelerou o ciclo político. Volatilidade visível no efeito positivo que a pandemia começou por trazer às intenções de voto no PS e à popularidade do primeiro-ministro, António Costa, e no desgaste que, entretanto, as sondagens começaram a mostrar.
Partindo da Visão Estratégica de Costa Silva, os principais partidos fazem de conta que discutem a estratégia do país a uma ou duas décadas. Mas como o longo prazo não traz ganhos de causa imediatos, a tática é posta em campo a pensar no presente ciclo político, aliás, no princípio do fim de ciclo de Costa que há dias Marques Mendes prontamente proclamou.
Em julho, António Costa pediu a reedição da geringonça para dotar o Governo da estabilidade necessária para enfrentar uma crise de tamanhas dimensões. Como tinha acordado com Rui Rio o fim dos debates quinzenais e vinha de um orçamento suplementar viabilizado pelo PSD, o primeiro-ministro teatralizou o afastamento dos fantasmas do bloco central avisando que o dia em que o Governo depender dos sociais-democratas será o fim deste Governo. Mas porque há estratégias “centrais” que só este bloco pode dar, houve interlúdio para o acordo que faz das eleições indiretas nas CCDR um plebiscito clientelar.
Aqui chegados, o Presidente da República considera «natural» que o orçamento seja aprovado à esquerda, mas logo pede a Rui Rio o «bom senso» de não abrir uma crise política por inviabilização orçamental. Na volta, o presidente do PSD lembra, agora ignorando o mantra da defesa do interesse nacional, que Costa prefere o escuro da crise política à clareza da estabilidade.
Enquanto isso, Bloco de Esquerda e PCP exigem compromissos ao Governo para votarem o orçamento e só depois admitem olhar para o plano de recuperação. Pelo Executivo, Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, sinaliza avanços nas negociações e até garante já haver acordo para a nova prestação social pretendida à esquerda.
O secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, volta a ameaçar votar contra e José Manuel Pureza, dirigente e deputado bloquista, até admite como normal o país ser gerido em duodécimos. Por sua vez, Marcelo Rebelo de Sousa vem recordar que não poderá dissolver a Assembleia, nem marcar eleições.
Mas como o momento é de crise e o inverno da pandemia pode ter chegado com o outono, o orçamento acabará viabilizado. O ónus a pagar por não o fazer é demasiado alto. Pelo caminho terá ficado o consenso em torno do mais estruturante Plano de Recuperação e Resiliência num país que só se desenvolveu graças aos fundos comunitários e que só não se desenvolveu mais por não os saber aproveitar.
Oportunamente, um estudo do “think tank” Bruegel aponta que entre as principais causas para Portugal ser um dos quatro países da União Europeia mais fustigados pela Covid-19 reside na má qualidade da governança e das instituições. A bazuca financeira da UE representa uma oportunidade única, pena que os decisores estejam unicamente a representar.