No início da semana, a manchete do “Correio da Manhã” anunciava um crime terrível. “Mata marido com 85 facadas e foi ver televisão”, assim se lia na primeira página do jornal com as habituais letras garrafais.
É um crime de tal forma hediondo, que ultrapassa a minha compreensão. Pergunto-me como é que alguém é capaz de cometer uma atrocidade como esta, que é usar um primeiro verbo no presente do indicativo e outro, que descreve a acção seguinte, no pretérito perfeito. A senhora pode ter assassinado o marido com 85 facadas, mas o jornal assassinou a gramática com 38 letras.
(Nota aos leitores sensíveis: não estou a presumir o género da pessoa que primeiro “mata” e depois “foi ver televisão” a partir de preconceitos de heteronormatividade, foi mesmo o periódico que esclarece em subtítulo que se tratará de uma mulher. Do jornalista também conhecemos o género: é o género de pessoa que usa tempos verbais à balda.)
No fim da semana passada, os jornais anunciaram a composição do novo governo de António Costa, que me deixou apreensivo. Há tantos sociólogos no governo, que temo que muitos dos meus alunos abandonem a formação em Sociologia com medo de acabarem como secretários de Estado ou – Deus os livre – no Conselho de Ministros do PS.
Entretanto, na Ucrânia, os tractores locais continuam a dar guerra sem quartel aos invasores russos e há quem proponha como solução militar para os resistentes vencerem o conflito a produção de debulhadoras propulsionadas a jacto para combater os mísseis e os caças vindos da Federação Russa.
No seguimento das sanções aplicadas à Rússia, a Universidade da Florida retirou o nome de Karl Marx à sala que o homenageava. Insuspeito de simpatias marxistas, imagino que possa ser por Marx ter nascido na Prússia. Quer na fonética, quer na geografia, foi o mais perto que o filósofo esteve do império de Moscovo.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia