Floreal

“Os comunistas estão como que dispensados de pensar. O seu fanatismo é uma espécie de cábula permanente que os isenta do esforço do racionalismo crítico.”

1. Sucedem-se as queixas de episódios de assédio na Faculdade de Direito de Lisboa. Estas histórias não são de agora. O que é novo é a exposição que estão a ter. Nos anos que passei pela FDL, só para dar um exemplo, havia certas provas orais onde algumas alunas, sentadas diante do examinador, tentavam reproduzir o célebre cruzar de pernas de Sharon Stone. O episódio era um clássico, que se murmurava entre dentes. Toda a gente sabia o que acontecia. E todos faziam de conta que ninguém sabia. Inclusive o corpo docente. Havia como que um código de silêncio acerca de um jogo que só jogava quem queria. Não me parece correcto, nem justo. Mas era o que se passava. De acordo com esta notícia, o assédio passou a ter outros códigos. Mas onde o abuso de poder é inequívoco. O professor em questão parecia olhar para as suas alunas como correspondentes do Tinder. Acontece que isto não tem piada nenhuma. Nem as sátiras académicas do Tom Sharpe têm aqui cabimento. Lendo-se o relatório disciplinar, é líquido que as acusações foram provadas. Numa universidade qualquer de um país decente, este professor teria sido convidado a sair. Porque o assunto nada tem a ver com um inocente mal entendido semântico, como no notável romance “A Mancha Humana”, de Roth. E que, mesmo assim, levou à expulsão de Coleman da universidade onde leccionava. No livro, foi a insanidade da cultura woke que o autor quis caricaturar. Mas aqui é a valer. Há finalidades de prevenção a ter em conta e salvaguardar a tranquilidade das vítimas. Porque há um grau de responsabilidade que não pode ser descartado com um inócuo pedido de desculpas.
2. Os comunistas estão como que dispensados de pensar. O seu fanatismo é uma espécie de cábula permanente que os isenta do esforço do racionalismo crítico. Odeiam o gradualismo reformista. A autonomia da sociedade civil. Combatem a convivência pacífica, ainda que concorrencial, de estruturas políticas descentralizadas. O seu universo dogmático é dualista, hierático, inorgânico, centralizado. A iniciativa individual e o mérito são hostis. Querem apagar o passado, não sabem lidar com o presente e com eles não há futuro. Chegou a altura de criar um cordão sanitário simbólico à volta deles. Uma Festa do Avante permanente só para eles. Com muitas estátuas do Lenine e do Estaline. Pavilhões em tons de cinzento, no estilo soviético. Sessões de terapia de grupo, como se fossem debates. Comícios ininterruptos com uma réplica robótica do Jerónimo a discursar e toda a gente com uma máscara do líder. Pavilhões multimédia, com imagens de filas de tractores na reforma agrária, ocupação do jornal “O Século”, cerco da Assembleia Constituinte, ocupação de herdades, comícios durante o PREC, sessões de esclarecimento com muitos barbudos de camisas com golas enormes a doutrinar o bom povo, o Cunhal a discursar, etc. Reenviá-los todos para o seu mundo virtual, desejar-lhes boa sorte e não esquecerem de acertar a medicação.
3. Há por aí uma categoria de sonsos de que ainda não tinha falado. São aqueles que, não sendo pro russos, não são pro ucranianos, antes pelo contrário. Não têm uma posição definida. Mas esbracejam, barafustam, confundem independência crítica com originalidade blase. São contra qualquer maioria, mesmo que essa maioria subscreva os valores que esses sonsos adoptaram. São contra Zelensky, por simples ciumeira: Zelensky não lhes pediu autorização para competir com os seus egos e a sua irrelevância. O banho de humanismo dos ucranianos é impossível de alcançar e explicar pelos seus umbigos pequeninos e incapazes de compaixão. Ao invés, tomam posição substituindo a realidade por subterfúgios, citações e arrazoados descontextualizados, enganadores. Estes trolls são agressivos porque não têm existência política. São intolerantes porque o seu ego já há muito eliminou qualquer hipótese de empatia.
4. No mundo literato, ou tido como tal, existe um conjunto sagrado de regras de sobrevivência e progressão. Uma delas é, com regular reciprocidade, passar a mão pelo pêlo a literatos seniores, ou entre iguais. No meio dessas sessões de cunnilingus, os literatos citam-se mutuamente e tecem loas, para depois dizerem o contrário, mal voltam costas. Ainda não percebi se não há crítica para não se ser criticado, ou se para manter um aconchego de caserna. O clima geral, se é que se pode falar assim, é de camaradagem tóxica, minada pela complacência. Tudo isto faz suspirar de saudades do Luiz Pacheco. Esse, ao menos, não estava com salamaleques nem pintelhices.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

António Godinho Gil

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