Feira de vaidades

“Qualquer pessoa convidada (para um cargo político) tem de ter o bom senso de saber se está à altura do convite, se tem condições para o exercício da função e se moralmente tem um percurso impecável para aceitar o convite… Não pode ser de outra forma!”

No seguimento das muitas polémicas com as escolhas de novos membros do Governo, no último Conselho de Ministros foi aprovado o mecanismo de verificação da idoneidade para o exercício de funções. A decisão foi o caminho encontrado por António Costa para evitar ser acusado de nada fazer perante o rufar dos tambores sobre tantas escolhas falhadas. E seria uma forma de envolver no processo de escolha o Presidente da República. Ora, como se sabe, a intervenção de Belém é meramente simbólica e uma mera formalidade com o ato de posse. Já a responsabilidade do primeiro-ministro não é de mero assistente no processo.
António Costa, ou qualquer outro chefe do governo é, tem de ser, o responsável pelas suas escolhas. E por isso escolhe quem considera competente para o exercício da respetiva função. Tem esse direito e merece essa confiança. E é o responsável por um eventual erro na escolha. E qualquer pessoa convidada tem de ter o bom senso de saber se está à altura do convite, se tem condições para o exercício da função e se moralmente tem um percurso impecável para aceitar o convite… Não pode ser de outra forma!
Porém, como escreveu Lamas Leite no “Público”, «tempos houve em que a ética e o bom senso bastariam» e que qualquer pessoa ao ser contactada para um lugar público saberia se algo obstava à sua nomeação. Qualquer pessoa séria tinha a noção, a humildade e o pudor de perceber se podia ou não exercer um cargo. Hoje, «a falta de vergonha está profundamente erodida em todas as cores partidárias e já não se pode confiar na sensibilidade e bom senso». E, por isso, assistimos a toda esta vergonha de nomeações que não deviam ter ocorrido e acabamos a apoiar um formulário de 36 perguntas para saber se a pessoa tem idoneidade para um cargo público.
A falta de vergonha, a ambição desmedida, o passar por cima de tudo, a falta de pejo, a vontade de ter protagonismo, a espuma dos tempos, a feira de vaidades em que se tornou o espaço público, a política e a sociedade em geral levam a que a maioria das pessoas não tenha prudência e facilmente esqueça os “rabos de palha” da vida. O equilíbrio nas decisões e o sentido ético e moral deviam bastar para essas pessoas declinarem convites para o exercício de determinadas funções. E assim não apareceriam vergonhosamente nas manchetes dos jornais, nem embaraçariam quem os convida. Como a vaidade e a falta de bom senso dominam, um convite terá de passar a ser seguido por uma entrevista com perguntas básicas (e que no essencial vai de encontro com o que já era previsto na Lei 52/2019 sobre o regime do exercício de funções por titulares de cargos públicos) como se fossem candidatos a um emprego.
Por outro lado, como se vê, a promiscuidade, as relações de interesse, os oportunismos, os esquemas, o nepotismo, a corrupção, o amiguismo, a cunha e o jeitinho estão bem presentes no âmago da sociedade portuguesa. Os interesses ou o dinheiro continuam a mostrar como o país é tragicamente pobre e atrasado. E a degradação moral e ética é uma evidência. Os políticos têm de ser bem pagos para não ficarmos reféns desta tragédia (o populismo obtuso contra os rendimentos dos titulares de cargos públicos tem de ser denunciado). Muito mais vergonhoso do que uma secretária de Estado só o ser por 26 horas, porque tinha uma conta conjunta com o marido que está acusado de corrupção e não consegue justificar o dinheiro que tem no banco, além de outros putativos esquemas, é que uma deputada, Jamila Madeira, esteja 9 meses a receber um segundo vencimento como consultora da REN, uma empresa cuja atividade tem uma relação direta com o Estado e dependente da aprovação de novas licenças ou mais contratos com o Estado, e não perceba que é imoral e reprovável, mesmo antes de a Comissão Parlamentar lho dizer… E infelizmente são muitos, demasiados, os casos de promiscuidade e falta de ponderação e bom senso na política em Portugal.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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