Fearn*

1. Decorre, na Ordem dos Advogados, a eleição para o Conselho Geral e Bastonário. Basicamente, estão em confronto dois modelos de advocacia: a societária e a tradicional, em prática individual ou pequenas sociedades. Que diferem em praticamente tudo: na dimensão, na amplitude, na facturação, na internacionalização e na distância em relação aos centros de decisão. As grandes sociedades são, em muitos casos, plataformas giratórias de recrutamento para cargos políticos. Simultaneamente, agências de outsourcing e de lobbing. O primeiro é um serviço externo requisitado por uma entidade pública. Neste caso, sob a forma de serviços jurídicos, por avença ou ajuste directo. Esses serviços incluem, não raras vezes, projectos legislativos. No lobbing, o processo é inverso. Uma entidade particular contrata um prestador de serviços para obter determinada decisão junto de certo decisor público, que seja favorável aos seus interesses. Ora, facilmente se dá conta da promiscuidade entre as sociedades de referência e os corredores do poder. Entre esse mundo de veludo e as agruras de um advogado que exerça individualmente, fora dos grandes centros, existe um fosso difícil de imaginar. Mas existe uma originalidade na advocacia, de resto inconstitucional. Os escalões de descontos para a CPAS – um fundo de pensões apresentado como sistema de previdência – baseiam-se em rendimentos presumidos e não nos efectivos. Ou seja, impôs-se uma inadmissível igualdade de tratamento, cega, que só veio acentuar ainda mais as desigualdades. Mas o que é tanto ou mais chocante, a CPAS não assegura quaisquer direitos sociais de carácter assistencial. Há outros temas importantes como a reversão das recentes alterações estatutárias e dos actos próprios dos advogados, o regime do SADT, incluindo a revisão da respectiva tabela de honorários e a dignificação da profissão, que foram passados em revista. Basicamente, há duas candidaturas em presença, que representam, de forma reflexa, as duas realidades mencionadas: 1. Por um lado, a incumbente, actual Bastonária, Dra. Fernanda Pinheiro, tem como bandeiras prioritárias a alteração do sistema previdencial, a defesa do actual modelo do SADT e a actualização da respectiva tabela. No primeiro caso, a reforma, dar-se-ia por uma de duas vias: ou a integração da CPAS na segurança social, ou a consagração da possibilidade de opção. A sua postura é de maior proximidade com a realidade dos advogados e mais proactiva. 2. O outro candidato, Dr. João Massano, ex-presidente do CRL, incorpora os interesses de uma clique predadora, que procura, por todos os meios, liquidar a advocacia tradicional. E para o efeito, a estratégia é manter tudo como está, sobrecarregar quem já tem a vida difícil, passar por cima dos problemas concretos da profissão e ser subserviente relativamente ao poder executivo. Basicamente, funciona como um cavalo de Tróia. Que em vez de guerreiros, alberga um aquário cheio de tubarões. Atrás dele, vem a infantaria, apanhada nas teias do viés da desejabilidade social.
2. “Louçã, o libertino, passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor”. Poderia ser o título de um remake da célebre paródia escrita por Luiz Pacheco, em 1961. Tal como Fazenda em Aveiro e Rosas em Leiria, Louçã meteu-se à estrada pelo círculo minhoto e, arregaçando as mangas, diz que vai combater o «fascismo» e o «trumpismo». É certo que, nos hospícios, há para aí umas dezenas de Napoleões, de espada em punho, à frente das tropas, a atravessar a ponte de Arcole. Com os austríacos imaginários do outro lado da margem. Imagino que o prof. Rosas irá combater o «populismo» e Fazenda vai fazer uma pega de caras à escalada armamentista. Pelos vistos, os pais fundadores da seita sucumbiram a um genuíno impulso missionário. E munidos das obras completas de Lenine e água benta, espera-se que irão converter os ímpios em regiões remotas do reino. Pelo caminho, expulsando os demónios da tenebrosa extrema-direita. Mas talvez haja uma explicação mais deste mundo para tamanha abnegação expedicionária: juntar a prata da casa, arregimentar as tropas e, talvez assim, evitar a extinção do BE. Entretanto, Trump, na Casa Branca, sentindo-se em perigo perante a ameaça, já convocou uma reunião no Pentágono…
3. Trazemos connosco uma montra permanente. O que somos é o que mostramos. Poucos querem saber do resto. Visto e sabido. Passo seguinte. Há uma exigência fundamental para nós: saber reverenciar os nossos semelhantes só porque existem. Não têm que pensar como nós, ou ser como nós. Ou fazer como nós. Ou adorar os mesmos deuses. Ou gostar das mesmas palavras. Pois há-de haver um momento em que puxam para si as brisas dos mares distantes. Convocam uma luz qualquer que suspende tudo em volta. Mas não exageremos. Também é importante habituarmo-nos a pregar no deserto. Pregar para uma multidão, que só existe para satisfazer a nossa vaidade, é a ilusão mais cruel de todas. Num deserto, só estás tu e o teu eco. Tu e a tua patética ambição de pulga amestrada. Tu e as tuas “inabaláveis” convicções. Mas é lá que estão os que realmente te escutam. Sabe esperar por eles.

* No calendário vegetal celta, significa “Amieiro”
** O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

António Godinho Gil

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