Eutanásia – Parte II

Escrito por Albino Bárbara

“Sei perfeitamente que este, como outros tantos temas, são fraturantes da sociedade. Mas também sei que este assunto não é político. Não é de direita, do centro, da esquerda ou de qualquer igreja, credo ou religião.”

Resolvidas que parecem estar as dúvidas do Tribunal Constitucional no tocante aos conceitos de «lesão definitiva de gravidade extrema» e «situação de sofrimento intolerável», o diploma, aprovado na passada semana, voltará assim às mãos do Presidente da República, mesmo antes do Parlamento encerrar os trabalhos desta legislatura.
Recorde-se que a eutanásia foi aprovada em janeiro deste ano, mas o atual habitante do palácio “pink” enviou-a para o Tribunal Constitucional, tendo este decidido, em março, pela inconstitucionalidade das duas questões referidas, esperando que seja desta vez que o processo entre definitivamente em vigor.
Sei perfeitamente que este, como outros tantos temas, são fraturantes da sociedade. Mas também sei que este assunto não é político. Não é de direita, do centro, da esquerda ou de qualquer igreja, credo ou religião.
Tem decisão política e depois passa a ser de todos em geral e do indivíduo em particular, seguindo o douto princípio “é proibido proibir”. O país conta já, nesta matéria, com a lei nº 25/2012 (testamento vital) sendo este o primeiro passo e um enorme contributo para que a legalização da eutanásia em Portugal seja uma realidade.
Isto não significa que o Estado não coloque à disposição dos contribuintes, através do SNS, uma rede eficaz de cuidados paliativos, pois todo o português tem direito a cuidados de saúde até ao fim da vida, independentemente da sua opção. A pessoa humana deve e tem de morrer com dignidade.
Neste Estado, constitucionalmente laico, onde a população é maioritariamente católica, olhemos apenas para o estudo da Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, coordenado pelos professores Jorge Vala e Manuel Vilaverde Cabral, intitulado “Atitudes Sociais dos Portugueses” para verificarmos que mais de 60% dos nossos concidadãos têm posição favorável à prática da eutanásia.
A deputada Joacine Katar Moreira, que tão mal tem sido tratada pela direita racista e misógina, afirmou no Parlamento que a aprovação da eutanásia é «um marco civilizacional». Com efeito, e numa breve análise histórica verificamos que tanto gregos como romanos praticavam eutanásia como exercício de uma “boa morte”.
Com a vinda do cristianismo foi transmitida a ideia que existe vida para além da morte e que o ser humano tem de morrer de forma natural, chegando ao cúmulo de referirem num documento interno católico intitulado “Iura et Bona” «que esta atitude está em oposição ao desígnio do amor de Deus para com o homem» para posteriormente virem com culpas e pecados, sem contudo olharem, como bem referiu Saramago, para os esqueletos que têm nos armários ou nos mais recentes episódios de um lamento permanente de pedidos de desculpas!!!
Conscientemente percebe-se que o ato de tirar a vida a alguém provoca arrepios e somos obrigados a questionar-nos se existe diferença entre fazer acontecer ou deixar acontecer, ente matar e deixar morrer, assumindo a suprema responsabilidade pela morte daqueles que matamos ou pela morte daqueles que não conseguimos salvar.
Morrer deixa de ser apenas uma questão clínica para se transformar numa escolha voluntária, tomada pelo próprio, consciente que a vida humana é indiscutivelmente o único valor absoluto do ser, mas onde a questão ético-moral persiste:
Viver dignamente sofrendo de forma intolerável e sem qualquer esperança de vida ou o direito a uma morte digna? Mais uma vez Shakespeare: “To be or not to be. That is the question”. É isto que está em causa. É o respeito a todos e a cada um de nós…

Sobre o autor

Albino Bárbara

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