Estratégias de autonomia no OE

Escrito por David Santiago

Não foi do Bloco de Esquerda nem do PCP, nem do PAN e nem, muito menos, do PSD, foi do PEV (Os Verdes) a palavra final que ditou a viabilização do Orçamento do Estado para 2021 na votação na generalidade, que decorreu esta quarta-feira, a 28 de abril.

À hora a que esta coluna é escrita, o Bloco de Esquerda acaba de confirmar que vota contra o OE2021, posição mais do esperada para quem assistiu às últimas semanas de dramatização em crescendo feita por bloquistas e pelo Governo. E mais do que certa após PAN e PCP terem anunciado que se abstêm.

A viabilização do documento na generalidade ficava assim nas mãos dos deputados d’Os Verdes – os pouco conhecidos José Luís Ferreira e Mariana Silva assumiram uma importância que a mais eficaz Heloísa Apolónia nunca alcançou – ou das duas erráticas deputadas não inscritas. Sem grande arrojo e mesmo correndo o ténue risco de ser desmentido pela realidade, vou assumir que o PEV, no passado dia 26, acompanhou o histórico aliado eleitoral PCP na abstenção. Ou que, no limite, votou a favor (previsão mais arriscada), hipótese que daria força à tese adiante.

A verdade é que com maior ou menor “autonomia estratégica” – conceito agora usado para definir a intenção da União Europeia se afirmar na nova ordem mundial (que ainda ninguém sabe bem qual é) – face ao partido liderado por Jerónimo de Sousa, o PEV tem vindo a ganhar protagonismo desde as últimas legislativas.

A explicação decorre da presença de 10 forças políticas na Assembleia da República (agora apenas nove devido ao divórcio entre o Livre e Joacine Katar Moreira) e da inexistência de acordos parlamentares a pensar na legislatura.

Esta conjugação de fatores permitiu ao PEV, mais na forma do que na substância, mostrar autonomia decisória. E assumir, ainda que na aparência, uma influência política, que, aliás, o partido nunca havia experimentado.

Claro está que o timing dos anúncios do sentido de voto no Orçamento não foi inocente. Tenta passar a ideia de que não foi o PCP a decidir esta viabilização. Quer ajudar o PEV a passar o PAN na luta pelo eleitorado ecologista. E assim alargar a quase imóvel base eleitoral da CDU (PCP-PEV) depois dos resultados frustrantes de 2019 e antes das decisivas autárquicas de 2021.

Como a autonomia relativamente ao Governo é cada vez mais fundamental dada a incerteza sobre o que aí vem, o PCP fez questão de avisar que se abstém na generalidade, mas que não se abstém de garantir que as exigências não correspondidas terão resposta no documento final. Se não forem atendidas, os comunistas ameaçam votar contra (e o PEV certamente também) na votação final global do OE2021.

Em contraciclo, o Bloco desprendeu-se do Executivo, assumindo o papel do PCP (e do PEV) na votação do suplementar. Mas como frisou a coordenadora bloquista, Catarina Martins, o BE não deixará de negociar durante a especialidade, pelo que não tem ainda o voto final fechado.

Por sua vez, o PAN continua a mostrar dificuldades em ser autónomo, apostando essencialmente em demarcar-se do BE.

Já Rui Rio pôs-se à parte e justificou-o por ter sido posto de parte pelo primeiro-ministro. Apesar de reconhecer que a pandemia, a presidência portuguesa da UE e a impossibilidade de dissolução do Parlamento explicariam facilmente uma abstenção social-democrata, desta vez o presidente do PSD não vai pelo “interesse nacional”. Vai sim pela demonstração de autonomia e afirmação como alternativa de poder numa altura em que dizem já cheirar a fim de ciclo.

No final, o saldo será o da aprovação pois continua bem presente o custo político de provocar uma crise política em plena crise económica. Mas é pena que enquanto os portugueses fazem contas à vida, os partidos privilegiem as contas eleitorais.

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David Santiago

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