Estragar o que está bem ou compor o que está mal?

Optar pela construção do CET numa das zonas preferidas dos guardenses vai provocar o maior descontentamento e é intervir num local qualificado e excelente

Há vinte anos, a Guarda teve o período de maior desenvolvimento, a todos os níveis. Foi um tempo de crescimento urbano (o concelho chegou aos 44 mil habitantes, hoje tem menos de 38 mil), de dinâmica económica (assente essencialmente na Reicab/Delphi que chegou aos três mil trabalhadores), de obras e infraestruturas públicas (no seguimento da construção da VICEG, construíram-se as Piscinas Municipais, foi edificado o TMG, avançou a Biblioteca Municipal, apareceram espaços de lazer e jardins como o dos Castelos Velhos, requalificou-se a avenida Monsenhor Mendes do Carmo onde havia uma velha estrada nacional, recuperaram-se alguns edifícios emblemáticos, como os Paços de Concelho. o Teles de Vasconcelos ou o Paço da Cultura e Centro Cultural…) e entrou-se no século XXI, no novo milénio, com uma “certa” modernidade. Ainda nesse tempo, das comemorações dos 800 anos da Guarda, nasceram outros vários projetos que prometiam «pôr a cidade no mapa» e emergiu o Programa Polis (a nível nacional). Foi assim que nasceu o melhor parque de lazer do interior do país (o Parque Urbano do Rio Diz) ou o lançamento da PLIE (que chegou a ser apadrinhado pelo então Presidente da República Jorge Sampaio, mas quase morria à nascença por inépcia dos políticos e gestores da cidade). E até nasceu e se afirmou o Jornal O INTERIOR….

Por empenho e arte ou pelas circunstâncias do tempo, Maria do Carmo Borges era a presidente da Câmara da Guarda nesse tempo (foi-o entre 1994 e 2004). A Guarda teve então a ambição e os projetos certos, ainda que por vários desacertos, muitas coisas teriam uma péssima continuidade – em especial quando o PS entregou a cidade a Joaquim Valente e Virgílio Bento.

A “revolução” prometida pelo Programa Polis (com relógio de contagem decrescente instalado na rotunda criada no antigo cruzamento da Avenida da Estação com a EN16 – hoje, avenida de S. Miguel) incluía a intervenção em toda a encosta norte e nordeste da cidade: do Centro Histórico à Estação. Foi uma “festa de arquitetura”, controlada por poucos arquitetos, que prometia um “monorail” para ligar a estação dos comboios ao centro da cidade (o antigo quartel do Bombeiros foi demolido para ali instalar a “estação” do “monorail”), um parque de lazer por toda a encosta do Rio Diz; edifícios modernos por todo o lado e milhões para mudar o mundo (guardense). Ainda antes da Sociedade Polis avançar, a Câmara da Guarda comprou a Fábrica Tavares, no Rio Diz, por dois milhões de euros (que tardaria 13 anos a pagar) para onde projetou um museu da água, inserido num parque de lazer que só viria a acontecer na zona mais húmida e pantanosa da cidade – mas ainda assim, a melhor intervenção feita na Guarda em muitos anos.

Vinte anos depois… volta-se à Fábrica Tavares para instalar o Centro de Exposições (CET)! Porém, a autarquia pagou dois milhões de euros mas os proprietários continuam a ser os anteriores donos (pese embora a Câmara tenha o usufruto desde 2001 do imóvel para armazém, sem pagar IMI, sem fazer obras, sem proceder como proprietário e sem cumprir com o definido contratualmente na aquisição)! A escolha da Fábrica Tavares permitiria que toda a zona fosse requalificada e, talvez, não fosse errado voltar à origem e ponderar a valorização ambiental de toda a encosta, inclusive recuperar o projeto do Museu da Água e desenvolver uma nova centralidade (que o Plano de Pormenor, entretanto feito, matou). Optar pela construção do CET numa das zonas preferidas dos guardenses, no Parque Urbano do Rio Diz, vai provocar o maior descontentamento e é intervir num local qualificado e excelente (não precisa de ser melhorado neste momento, ao contrário de muitos outros locais da cidade, da zona da Feira à encosta do Rio Diz), que até pode ser aceitável, se fosse feito um concurso de ideias para construir uma obra emblemática, sem mexer demasiado no atual parque, mas se for executada num contexto de parceria público-privada pode ser um flop inaceitável, sobre o qual temos o direito a conhecer os contornos, os custos e as rendas que podem hipotecar o futuro.

A todos os leitores Feliz Natal.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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