A dor de surgirem técnicas que não domino. A dor de presenciar rituais e mudanças que me indignam. Durante décadas aprendi a conter os gestos à mesa, a respeitar as mulheres no autocarro, a mandar um piropo aqui e ali, a obrar sozinho num espaço trancado, a falar com intimidade no banco, a ir ao banco, ao correio e usar um táxi que me esperava na paragem respectiva. Há inúmeras mudanças onde não coaduno mas onde a repulsa alheia se torna grosseira. Estou mais lento, vejo menos, caminho com passadas menos airosas, urino muito mais devagar. O raciocínio continua mordaz e a curiosidade não adormeceu. Já não há DVDs, já não há cassetes, já não se comprar os CDs. Há plataformas de música. Há aplicações de telemóvel para pagar compras e andar de transporte. Adapto-me ao que posso, mas tenho amargura. A leviandade com que se opina sobre tudo, a forma boçal como se interpela um idoso, a presença de tantos incapazes nos lugares de decisão. Sim, tenho esta inadaptação à linguagem trôpega, cheia de interjeições, que se converteu num vestuário tribal de palavras. Tipo, bué, bro, e tantas outras que me espantam. Há os que me violam com seus telemóveis aos gritos. Muitos são velhos dominando mal a técnica assim criando ruído. As tecnologias vão destruindo os prazeres de décadas. Os automatismos dos carros, a robótica na limpeza das casas, as fechaduras de controlo remoto. A velocidade vertiginosa da transformação acarreta inúmeras facilidades, possivelmente defende as pessoas, mas há uma inconformidade dos hábitos que nos deprime. Sim, estou a envelhecer rapidamente.
Estou a envelhecer
“As tecnologias vão destruindo os prazeres de décadas. Os automatismos dos carros, a robótica na limpeza das casas, as fechaduras de controlo remoto. A velocidade vertiginosa da transformação acarreta inúmeras facilidades, possivelmente defende as pessoas, mas há uma inconformidade dos hábitos que nos deprime.”