Em 2022, a reunião da burguesia mundial passou de janeiro para maio. Coisas de pandemia ou, se calhar, de agenda. Como previsto, as conclusões do encontro não trouxeram quaisquer novidades. Tiradas a papel químico de anos anteriores. É como chover no olhado:
Reduzir a pobreza, combater as alterações climáticas, acabar com a fome no mundo etc., etc., etc., isto sem mexer uma palha nas estruturas onde cinicamente a alta finança, a elite governamental e empresarial desejam fazer um novo reordenamento onde tudo permaneça mais ou menos na mesma, aplicando os ditames da cartilha porque sempre se regeram: a existência de ricos e pobres.
A burguesia e o grande capital, mais uma vez, não querem encontrar uma única solução sustentável a não ser a defesa do seu próprio umbigo mesmo percebendo que o modelo capitalista continua a gerar as maiores desigualdades. Eles apenas querem salvar o sistema. A natureza da economia de mercado continua a ser a mesma. Sem por nem tirar. No entanto, manda a inteligência que tudo deva mudar rapidamente transformando a tal economia de mercado pela aposta humanista da sociedade de mercado.
À parte de tudo isto ficámos a conhecer o revés da medalha. O relatório da OXFAM:
Durante a pandemia o mundo criou mais 570 multimilionários. Nestes dois anos a riqueza dos grandes e poderosos aumentou mais que nos últimos 23. Os 10 homens mais ricos do mundo duplicaram as suas fortunas enquanto mais 200 milhões de almas foram atiradas para a pobreza. A pandemia fez disparar as ações de empresas de tecnologia, criando centenas de milionários. Só no sector farmacêutico há mais 40 novos multimilionários. Estes dois anos de Covid geraram desigualdades gritantes, aumento de desemprego, do preço dos alimentos, o que faz com que 260 milhões de pessoas sejam consideradas pobres. A disparidade salarial aumentou entre homens e mulheres. Antes da pandemia a previsão era de 100 anos para poder acontecer a tal igualdade. Agora a previsão passa de 100 para 130 longos anos.
Pensemos um pouco. Se, por acaso, houvesse um imposto sobre as grandes fortunas que pudesse gerar qualquer coisa como 3 biliões de euros/ano, o que poderia retirar cerca de 2 biliões de pessoas da fome e da miséria extrema. E isso é possível. A Argentina, foi até ao momento, o único país a aplicar esta taxa e, curiosamente, está a resultar.
A isto tudo temos de juntar as variações dos mercados provocadas pela invasão da Ucrânia.
Deixemos agora Davos, o relatório da OXFAM, as suas conclusões e a guerra. Centremos a nossa atenção no cantinho à beira mal plantado, tão bem cantado por Camões:
35% da população é pobre. Dois em cada dez portugueses estão em situação de pobreza ou exclusão social. O risco de pobreza em pessoas desempregadas atinge já os 45%. 12% da população empregada é considerada pobre, vivendo com 500 euros mensais, verba essa considerada limiar da pobreza, o que nos coloca entre os cinco países mais pobres da Europa e o 8º a nível da UE com maior nível de desigualdade entre os 25% mais ricos e os 25% mais pobres. O PIB per capita é 23% mais baixo que a média europeia. A taxa de risco da pobreza ronda os 18% e o INE, no seu relatório “Portugal – Balanço Social 2021”, afirma que continuamos com dois milhões de pobres e desigualdade notórias entre homens, mulheres, idosos e famílias.
E se em Davos a denúncia foi feita, no Portugal que caminha para comemorar o cinquentenário do 25 de Abril, o tal que deveria ter trazido uma equitativa distribuição da riqueza com vista à criação de uma sociedade mais livre, mais justa e mais fraterna, verificamos que o fenómeno dos 2 milhões de pobres dos anos 90, 2000, 2010, 2020 se mantém neste país de contrastes, de vistos Gold, de grandes fortunas, de banqueiros, de políticos a dizerem uma coisa e a fazerem outra, de cínicos de esquerda, de bazófias de direita, contadores de histórias de meias mentiras, todos eles de copo meio vazio fazendo realçar, apenas e tão só, o copo meio cheio, defendendo os mesmos de sempre: a burguesia e o grande capital financeiro.
Não foi para isso que se fez o 25 de Abril. Sabemos da necessidade de encontrar o equilíbrio neste recanto de 10 milhões de almas, pese embora percebamos que banir as desigualdades é uma tarefa extremamente difícil. Mas é possível. Está nas nossas mãos. É apenas uma questão de vontade.
Este ano em Davos
“A burguesia e o grande capital, mais uma vez, não querem encontrar uma única solução sustentável a não ser a defesa do seu próprio umbigo mesmo percebendo que o modelo capitalista continua a gerar as maiores desigualdades. Eles apenas querem salvar o sistema. A natureza da economia de mercado continua a ser a mesma. Sem por nem tirar.”