Esperando

Escrito por Diogo Cabrita

“Aguardar é um método de cumplicidade entre o tempo, eu e a minha circunstância. Não posso aguardar tendo outros à minha espera pois amplifica o drama do tempo. Não posso ir ao dentista com hora marcada na cabeleireira. Qualquer falha provoca dissonâncias e tornam paciência em tempestade. Podemos gerir o nosso tempo e o nosso desejo condicionando as tarefas como interruptores. “

Há uma linha ténue entre acalmia/submissão e ebulição/tempestade. A sala de espera é um lugar de romances, de estudo comportamental. O que chega e protesta sem ter esperado. Há muita gente à sua frente e portanto ele já está cansado. O que se indigna de esperar. Esperar obriga-nos a estar connosco num lugar cheio de outros. É um processo complexo de rendição ao tempo. Tenho de esperar o meu passaporte, tenho de esperar na Loja do Cidadão, tenho de esperar o embarque no avião, a comida do restaurante se for confecionada não está pronta. Aguardo vez no médico ou no dentista. Aguardar é um método de cumplicidade entre o tempo, eu e a minha circunstância. Não posso aguardar tendo outros à minha espera pois amplifica o drama do tempo. Não posso ir ao dentista com hora marcada na cabeleireira. Qualquer falha provoca dissonâncias e tornam paciência em tempestade. Podemos gerir o nosso tempo e o nosso desejo condicionando as tarefas como interruptores. A fila é longa para o café – não bebo! A sala do médico está cheia? Tento outro dia.
Já existem realidades imutáveis – o avião e o embarque, a dor e a urgência, as consultas e os pensos. Esperar é uma consequência de uma necessidade ou um desejo e está-lhe adstrita. Esta força do tempo e da acumulação de pessoas para o mesmo fim é estudada e conversada em congressos. Há teorias para reduzir a espera – horas marcadas, programação, videoconferências, redução de burocracia, supressão de passos de algumas cadências, triagens para escalonar as prioridades, mutações de balcões. Há soluções possíveis, mas tudo tem consequências boas e nefastas. Sempre haverá que esperar, pois os recursos não conseguem ser iguais às demandas. O comportamento na sala de espera diz muito de nós e do nosso estado. Há gente que vem suja, que vem alcoolizada, que vem da zanga em casa. Há os que trazem um livro, os que brincam com o telemóvel. Há dias havia uma louca de Anadia que berrava como um chibo numa sala de espera. Batera com a cabeça e sangrava. Tinha direitos, tinha vociferação para ultrapassar todos e tinha 3 g/dl de álcool no sangue às 17 horas. Upss!… Outro dia era um tipo chegado depois de mim a uma sala de espera de ecografias e já protestava. Não tinha esperado 10 minutos e já era tudo uma bosta, uma desorganização. Vinha bebido pós almoço. Já gritava, já incomodava. O meu amigo importa-se de calar a boca e suprimir a falta de respeito por estas pessoas todas? Não contava com aquilo e calou-se. Não teve seguidores na sala e percebeu o isolamento.
Esperar não tem que ser eterno, e podemos perguntar o que se passa, o que está a acontecer, e sobretudo podemos, quando for o caso, ir embora.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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