“Enquanto há morte há esperança”

Escrito por Fernando Pereira

“O futuro de ontem vai ser diferente do futuro de amanhã e o que vamos assistir é ao desmoronar das ideologias, o crescimento da xenofobia e o polvilhar de nacionalismos serôdios que irão mostrar que o mundo vai ser menos tolerante e equilibrado.”

Esta frase de Lampedusa serve de título a uma crónica que desejaria ter alguma vez escrito.
No dealbar da invasão da Ucrânia por parte do exército russo escrevi aqui que iria haver um povo e uma terra sacrificada e esses seria os ucranianos e a Ucrânia. Tudo o resto são os habituais “danos colaterais”, um devaneio semântico que os americanos nos foram habituando nas suas múltiplas intervenções ao nível global ao longo dos anos, com assassínios em massa!
Os ucranianos estão completamente sós a verem as bombas a caírem-lhe em cima e talvez seja altura de perguntar porque é que não houve esforços suficientes para que não se chegasse a esta situação, e as que aí virão com consequências inevitavelmente piores.
Vamos assistindo ao cinismo habitual das circunstâncias, um desfilar de solidariedades que o tempo revelará muito ténues e um espetáculo soez de manipulação entre desgraça e morte. Churchill, uma das figuras marcantes da política inglesa do século XX, disse que «em tempos de guerra, a verdade é tão preciosa que precisa de ser protegida por uma muralha de mentiras».
O futuro de ontem vai ser diferente do futuro de amanhã e o que vamos assistir é ao desmoronar das ideologias, o crescimento da xenofobia e o polvilhar de nacionalismos serôdios que irão mostrar que o mundo vai ser menos tolerante e equilibrado.
Em vez de se buscarem oportunidades para a paz, continua-se num frenesim armamentista que dificilmente irá melhorar o que quer que seja, e quando se chegar ao tempo de reconstrução de uma Ucrânia dilacerada e destruída aí virão os de sempre a enviarem ajuda que vai servir para engordar organizações obesas, tipo ONU e ONG’s na sua quase totalidade.
Quando, em 2001, o Afeganistão se livrou dos talibãs, os EUA pegaram em Hamid Karzai para estabelecer um regime democrático. A comunidade internacional achou que o país precisava de ajuda internacional. Logo chegaram a Cabul uma horda de representantes da ONU e uma miríade de ONG’s com uma legião de trabalhadores humanitários em jatos privados e acampamentos dignos das mil e uma noites.
No Afeganistão entraram milhares de milhões de dólares e antes de reconstruir os escombros em que estava o país, que continuou, até ao recente regresso dos talibãs, sem escolas, hospitais e outros serviços públicos importantes para a generalidade dos afegãos. A primeira fatia do dinheiro foi, pasme-se, para contratar uma linha aérea para transportar funcionários da ONU e outros funcionários internacionais de um lado para o outro. Contrataram-se professores e burocratas anglófonos para apoiarem o trabalho (?) desses funcionários, pagando ordenados de luxo para o nível afegão. Retiraram-nos de um esforço de apoio colectivo a comunidades para fazerem serviços que se revelaram dispensáveis e aumentaram os níveis de corrupção, que os talibãs exploraram para o seu regresso ao poder.
A título de exemplo, num distrito remoto do Afeganistão esses funcionários promoveram a construção de abrigos com a ajuda de fundos da comunidade internacional. Ismail Khan, governante do novo poder afegão, era o líder de um cartel de camionagem que transportou uns desadequados barrotes de madeira, que pouco mais serviram do que para lenha. Dos milhões prometidos a essa comunidade, a distribuição foi esta: 20% foram retidos para cobrir as despesas da sede da ONU em Genebra; o restante foi distribuído por 3 ONG’s em lotes de 20%, tendo uma delas construído com esse dinheiro a sua sede em Bruxelas. O que sobrou foi pago a Khan para comprar os barrotes no Irão. Ainda chegou alguma coisa, muita sorte tiveram os aldeões, algo que outros não podem dizer.
Isto que aconteceu no Afeganistão não é caso virgem e, segundo estudos e relatórios sobre fraudes destas distribuições de fundos internacionais, apenas entre 10 e 20% dos fundos atribuídos chegam ao destino. Perde-se o resto por tantos “humanitários”, ONG’s e ONU por todo o mundo, e pela corrupção gerada pela gestão destes fundos!!
Este será só um dos filmes que se espera na Ucrânia? Como diria John Lennon: «Lutar pela paz é como fazer amor pela virgindade!». Para não esquecer porque estamos em Abril. 25 de Abril de 1974 SEMPRE!!

Sobre o autor

Fernando Pereira

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