Já lá vai o tempo em que a esquerda francesa dizia ter como adversária a «direita mais estúpida do mundo». Eram tempos em que os intelectuais, filósofos, artistas que interessavam eram de esquerda e em que a esquerda acreditava na sua superioridade intelectual, que da direita pouco mais vinha, ou parecia vir, que música pimba e literatura de cordel, e moral, já que baseava o seu código de valores no altruísmo, na liberdade e na luta pelos descamisados e explorados de todas as nações.
Era uma visão que esquecia, não queria ver, que na direita havia também grandes intelectuais e que muitos que alguns chamariam sem hesitar de «fascistas» eram na verdade referências morais, geralmente considerados incorruptíveis e honestos, mas também solidários e altruístas. Dizia-se já, com razão, que que muitas das causas da esquerda estavam há muito integradas no património comum da humanidade e não podiam servir já de bandeira de ninguém: a liberdade de expressão, os direitos das mulheres, o respeito pelos direitos básicos dos trabalhadores, entre muitas outras.
Mas veio a eleição de Trump e num momento parecia não haver já, ao menos nos Estados Unidos, uma direita civilizada e inteligente. Ele mente continuamente, a propósito de tudo, muitas vezes de forma tão grosseira que ninguém pode ficar com dúvidas, não respeita as mulheres, as minorias, maltrata aliados como o Canadá, a Austrália e a União Europeia e bajula a Rússia e a Coreia do Norte, destrói trabalho diplomático de décadas e, contra toda a ciência e suportado em nada de respeitável, nega as alterações climáticas e sai do Acordo de Paris. O carvão, diz, é limpo e é bom.
Temos agora Bolsonaro, e será quase de certeza o próximo presidente do Brasil. Na agenda traz a cartilha do costume: a tentativa de controlo do Supremo Tribunal Federal, em que promete aumentar o número de juízes para 21, nomeando ele os novos juízes; a negação às alterações climáticas, que lhe irá permitir entregar a Amazónia aos criadores de gado e à agricultura intensiva; o retrocesso em direitos fundamentais, das mulheres às minorias, das garantias do processo penal ao elogio da tortura. Seguir-se-à o controlo da imprensa, qualquer dia a pena de morte e entretanto a receita económica da Escola de Chicago, que ele próprio não compreende muito bem e que irá agravar as condições de vida de muitos dos seus eleitores. Segue-se o ingresso num clube onde estão já os presidentes da Polónia, da Hungria, da Federação Russa, da Turquia – todos eleitos de acordo com as regras dos seus países e todos tão perigosos como ele.
Pergunta-se então: se Bolsonaro e Trump, Putin, Erdogan e muitos outros estão a ser eleitos apesar de caírem na esfera da extrema direita mais perigosa, defensora dos valores mais repugnantes, em quem está a votar a direita inteligente, civilizada, que acredita no amor pelo próximo, na honestidade, na verdade?