Em frente ao antigo matadouro municipal temos uma rotunda decorada com uma obra de arte colorida. Os miúdos chamam-lhe a rotunda do chupa-chupa, que é uma maneira de a descrever. Os edifícios do antigo matadouro estão agora devolutos e parece terem destino. Fala-se agora, e é tema de campanha eleitoral, a construção aí de um hospital privado e um lar de terceira idade. Vão ser inevitavelmente chamados de “Hospital do Matadouro” e “Lar do Matadouro”, designações bem mais ominosas que Lar ou Hospital do Chupa-Chupa, mas ninguém parece muito impressionado com isso. Há mais emoção em relação a alguns factos mal explicados: a empresa que irá contratar um direito de superfície com a Câmara sobre os terrenos do Matadouro irá ficar lá pelo menos 50 anos, com prorrogação automática de dez em dez anos a seu exclusivo gosto e pagando uma renda anual, não atualizável, de cerca de dez mil euros. Se por qualquer razão o município inviabilizar o projeto, por qualquer necessidade urbanística, terá de indemnizar os investidores pelas benfeitorias e por todos os lucros que estes iriam ter durante o tempo de duração do contrato (50 anos). Não vejo cláusulas de salvaguarda contra inflação, limitações de responsabilidade, atualizações de renda pelo menos de acordo com regras de correção monetária.
É verdade que vão ser criados postos de trabalho, que irão ser prestados serviços importantes e que aquele local é um cancro, mas não se poderiam ter salvaguardado melhor os interesses do município e não se poderia esperar pelos resultados das eleições antes de assumir compromissos dessa importância?
Sigamos em direção ao centro. Vamos passar pela rotunda da Ti Jaquina (insistem em chamá-la de rotunda dos F’s, mas o nome não pega), onde era suposto desembocar a alameda de ligação à VICEG. Esta obra está prometida há décadas e tem sido prometida em todas as campanhas eleitorais desde que se fala nela. A obra é, como se diz, estruturante, das mais importantes das últimas décadas, mas não vai acontecer tão cedo. Na última Assembleia Municipal, por proposta do CDS-PP, aprovada com os votos favoráveis do PS, do CDS-PP e da ala zangada do PSD, incluindo a presidente da Assembleia Municipal, foi retirada da agenda a proposta de aprovação do plano de urbanização em que a alameda ficaria incluída. Motivo? Só vejo um: baixa política.
Vamos passar por mais uma rotunda e continuar pelas ruas António Sérgio e Nuno Álvares. Ao cimo desta, do lado direito, temos o Hotel de Turismo. Fechado há mais de dez anos e tema de campanha em todos as eleições desde que fechou. Pelos vistos ninguém lhe pega e já foram vários concursos que ficaram desertos. Enquanto sim e não vai apodrecendo e transformou-se em mais um cancro no coração da cidade. Por ora teremos de nos contentar com as promessas, é tempo delas, mas digam-me se não seria um ótimo sítio para instalar um hospital privado, ou um lar para a terceira idade, ou ambos?
Vamos continuar em direção ao Parque Municipal, desviando-nos das várias obras eleitorais que continuam em curso. Depois do parque, que contornamos pela esquerda, vamos encontrar à direita o Bairro da Fraternidade. A propriedade é de organismos públicos e tem funcionado como habitação social. Foi visitado há dias por um grupo de candidatos do Bloco de Esquerda (não sei se outros partidos foram lá). O que viram é do mais triste que temos na cidade. Habitações em péssimo estado de conservação, com telhados de fibrocimento, agora proibido por levar amianto, arruamento degradado e esquecido pela Câmara. A zona mantém-se como um gueto de terceiro mundo, um campo de refugiados, onde as crianças crescem em más condições sanitárias e de conforto, sem um mínimo de atenção por parte de quem manda. Contam-se vários casos de cancro e doenças respiratórias. Toda a zona está infestada de ratos. Quem visitou o bairro ficou chocado e, dizem-me, algumas das meninas do Bloco não seguraram as lágrimas. Infelizmente esta visita não irá mudar nada e nada mudará enquanto quem manda na Guarda o não quiser. O Bairro da Fraternidade é uma das vergonhas deste concelho desde o tempo das maiorias socialistas e a resolução deste problema deveria ter prioridade sobre tudo o resto. Bem pode a Câmara continuar a fazer festas e rotundas e decorá-las com pirolitos, ou bem podem os partidos do poder continuar a entreter-se com os seus jogos políticos que enquanto não for resolvido o problema do Bairro da Fraternidade continuarão todos a mostrar a pouca importância que dão aos seus conterrâneos.
Do Matadouro ao Bairro da Fraternidade
“A zona mantém-se como um gueto de terceiro mundo, um campo de refugiados, onde as crianças crescem em más condições sanitárias e de conforto, sem um mínimo de atenção por parte de quem manda.”