Devemos boicotar as eleições?

“O nosso compromisso é com o jornalismo, com a liberdade de imprensa, consigo que nos lê e apoia. E é com o serviço público, por isso não faremos qualquer boicote eleitoral”

São de todos conhecidas as dificuldades porque passa a comunicação social (em especial no seguimento divulgação dos problemas da Global Media – Jornal de Notícias, Diário de Notícias ou TSF que podem encerrar a qualquer momento). Como em tantas outras áreas da vida económica, a falta de apoios são uma realidade e a sobrevivência da imprensa livre está por um fio – fica muito bem repetir que a liberdade de expressão e a imprensa livre são determinantes e uma pedra basilar da democracia, mas depois nada ser feito para apoiar a sustentabilidade dos jornais ou das rádios.
As associações do setor têm apresentado muitas sugestões que deviam contribuir decisivamente para a sustentabilidade dos media. Aqui (https://ointerior.pt/opiniao/apoiar-ou-nao-o-jornalismo/), defendemos, por exemplo, apoios fiscais na compra de jornais, assinaturas ou publicidade na imprensa ou nas rádios, a exemplo do que ocorre em outros países, ou a criação de um fundo de apoio ao jornalismo que poderia ser financiado atrás de uma taxa residual sobre a venda de tablets ou smartphones, que são dois dos equipamento de utilização massiva para ler conteúdos digitais, que a montante são produzidos pelos media.
No Jornal O INTERIOR não temos qualquer apoio público e inclusive, por opção, desistimos do Regime de Incentivo do Estado à Leitura (vulgo Porte Pago), um apoio de 40% no envio de jornais por correio aos assinantes, carregado de burocracia e regras arcaicas, que na verdade subsidia o assinante de grandes publicações e impõe obrigações, quantidades e controlo excessivo aos pequenos jornais – escolhemos fazer o nosso caminho sem o garrote de regras penalizadoras, prescindindo de um suposto apoio, de que o Estado presume, mas que no final do ano, feitas as contas, não nos beneficiava. Seguimos em frente graças ao trabalho e dedicação dos profissionais, colaboradores, assinantes e clientes.
E se nos jornais sentimos tantas dificuldades, que vamos contornando com inteligência, imaginação e muito trabalho, o mesmo sucede nas rádios, que vão sucumbindo e fechando pela falta de capacidade de gerar receitas, especialmente nos territórios de baixa densidade, e porque cada vez mais têm de enfrentar todo tipo de repressões e pagar mais “taxas e taxinhas” (salvam-se aqueles jornais e rádios que dependem das câmaras municipais, numa relação de subserviência quase generalizada…).
Depois de se dizer preocupado com o futuro da comunicação social, o Presidente da República decidiu promulgar a alteração da Lei da Rádio que não só aumenta as quotas de música portuguesa em antena (impondo mais de 60% de quota e impedindo a liberdade de escolha), como acrescenta mais obrigações aos operadores.
Agora, para além das muitas taxas e taxinhas que rádios e jornais têm de pagar, para além dos direitos sobre a música que são pagos à sociedade portuguesa de autores, para além de pagarmos à ERC ou à Anacom (rádios) para nos controlarem, para lá dos muitos e diversos custos de exploração, as rádios irão pagar a taxa audiogest à indústria fonográfica – as rádios promovem as músicas e pagam aos autores, aos músicos e agora terão de pagar aos técnicos das editoras… Mais um custo, mais uma despesa que as rádios locais terão de suportar com receitas cada vez mais exíguas. E, entretanto, os “tempos de antena” são feitos apenas nas rádios nacionais, excluindo as rádios locais – mais um golpe na imprensa regional, mais um ataque à coesão territorial, mais uma desigualdade que impede as rádios locais de terem acesso a uma receita importante e uma disparidade democrática inaceitável.
Tendo em conta este histórico, as associações de rádios e de imprensa propõem a manifestação pública, nomeadamente através de boicote informativo às eleições, à semelhança do registado em 2019.
Mas se é certo que a única forma de mostrar o nosso descontentamento às várias forças políticas seria não fazer qualquer cobertura dos atos eleitorais que se realizam este ano, a nossa obrigação é informar sobre as principais incidências da campanha e das eleições – sabemos que, apesar dos parcos recursos que temos e que porventura nos irão impedir de fazer a melhor cobertura, temos o dever e o brio jornalístico de tudo fazer para levar a melhor informação aos nossos leitores. O nosso compromisso é com o jornalismo, com a liberdade de imprensa, consigo que nos lê e apoia. E é com o serviço público, por isso não faremos qualquer boicote eleitoral. Assim, e para lá do trabalho informativo diário, no dia 4 de março faremos, em parceria com a Rádio Altitude, o grande frente-a-frente entre Ana Mendes Godinho (PS) e Dulcineia Catarina Moura (AD) e, no próximo dia 29, em parceria com o Nerga e a Rádio Altitude, iremos organizar o único debate público no distrito com todos os candidatos das forças políticas com assento na Assembleia da República (no auditório do Nerga). Cumpriremos pois a nossa missão e serviço público, com dificuldades e sem apoios, mas com a confiança dos nossos leitores, obrigado.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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