Deus

Escrito por Diogo Cabrita

“Tu podes aumentar o todo de Deus porque a criatividade, a capacidade de fazer arte, de descobrir ciência, de salvar vidas, de deixar descendência é ela própria divina.”

Quando me chamaram há uns anos para ver um amigo doente, não me senti sensibilizado, estava dorido, irritado porque sentia que Deus não estava ali. O conceito de um Deus bom e sempre justo é uma construção errónea de alguma catequese, de muitos dos que tentam explicar a bondade como um caminho de Deus e a maldade como a dicotomia infernal. Deus se existe é um todo com as variáveis e as cores completas. Deus se existe é completo, englobando bem e mal e, portanto, a escolha que é nossa, ou o destino que nos corresponde é sempre divino. A doença é divindade, a maldade é divina, o aborrecimento é da entidade global. Não há Deus sem o todo e nele estão as variáveis imaginadas e conhecidas. Esta ideia arrasta a plenitude da vida com a morte, a doença, a tragédia. Tudo se completa e informa, tudo se interliga e convoca a reflexão e conclusão. Claro que parece injusto fazer sofrer um toiro numa arena. Claro que é horrível a morte de uma criança, claro que nos desconstrói a partida dos entes queridos, o fogo, a cheia, o furacão. Tudo o que tem dor e perda é Deus, como o é a alegria, a festa e o amor.
– Que bruta confusão aí vai Cabrita!
Risos!
– Não! Só isto permite perceber que quando fazes algo inédito, algo que aumenta a existência onde chegaste nu, é também Deus. Tu podes aumentar o todo de Deus porque a criatividade, a capacidade de fazer arte, de descobrir ciência, de salvar vidas, de deixar descendência é ela própria divina. Há incriado que é só aumentado dos homens – o produto da fineza da inteligência associativa, da inteligência de sequência e de aprimoração, o detalhe artístico das mãos dos seres humanos, mas há incriado que é de todos os animais e da natureza – a procriação, o prazer durante ela, o amor entre seres. Deus é, pois, um todo que se amplia e uma entidade abstrata onde cabe tudo. Acreditar num inferno foi uma construção importante da moral humana durante séculos. O medo do devir sofrido, com sevícias, se a existência não fosse exemplar e normalizada. Este medo moralizador foi o fermento da lei e o adubo das exigências sociais. O tecido doente, o homem perturbador, é pústula, é abcesso, é neoplasia. Deus já não oferece à sociedade ocidental europeia, e na China, o lugar da baliza moral, da fronteira do comportamento e isso acarreta novas leis, novas discussões. O papel da diferença máxima, o derrube das fronteiras e a exigência de outra moral emotiva, de um fanatismo de normalização da extravagância e da diferença leva a que do apagar de Deus surja o desnorte e a elevação das mais básicas características humanas. É esse basismo que vemos na rede social onde a polícia e a fronteira desapareceram. Agora pretendem os moralistas convictos criar o seu próprio véu de Deus.
– Ok, assim já percebo onde queres chegar!
– Sei lá! Será que sim?

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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