Descer a Avenida

Escrito por António Ferreira

“Não sei se os desejosos da autoridade de um ditador sabem quem foi Salgueiro Maia, mas os muitos milhares que desceram a Avenida da Liberdade no dia 25 de Abril sabiam e estão-lhe agradecidos.”

Não desci a Avenida da Liberdade no dia 25 de Abril, mas a minha filha desceu e contou-me o que não dava para ver na televisão. Eram muitos milhares de pessoas, talvez centenas de milhares, grande parte deles jovens como ela. Demorou muitas horas a completar o percurso. “Tu não conseguirias estar tanto tempo de pé”, disse-me, e tinha razão. No dia anterior, quisesse Carlos Moedas ou não, estiveram muitos desses jovens no Largo do Carmo e cantaram a Grândola a plenos pulmões, emocionados. A festa foi bonita, muito mais do que vai ser a evocação do 25 de Novembro de 1975, em que parte da direita quer ver o seu 25 de Abril. Não o foi e o herói não foi de direita, foi Mário Soares. Outros, também à direita, querem reduzir tudo a uma “quartelada”, uma revolta de oficiais insatisfeitos com o rumo que a guerra levava em África. Não é verdade que logo nos primeiros comunicados o MFA disse ao que vinha: democratizar, desenvolver, descolonizar.
Lembrei-me, ao ver as imagens da televisão e as fotografias que me mandou a Carolina, de uma sondagem recente em que 47% dos inquiridos disseram que preferiam ter no poder um “homem forte”, mesmo sem eleições. Não é possível saber quantos dos que responderam à sondagem se dispuseram a passar horas na Avenida da Liberdade, ou nos Aliados, ou em tantos outros sítios deste país em que se saiu à rua. Acredito que a maior parte dos portugueses está farta de “homens fortes”, ou providenciais, e que prefere a força do voto. Sempre é melhor apear um mau governante nas urnas do que ter de o fazer pelas armas.
Interessante seria a definição de “homem forte”. Alguém que fala grosso, ou aos gritos? Um macho alfa? Será, mais provavelmente, alguém com poderes acrescidos, mais do que aqueles que têm o Governo e a Assembleia da República. Para essas pessoas seria necessária uma autoridade acrescida, algo que um regime presidencialista, só por si, não poderia oferecer. Essa autoridade, a existir, só o poderia ser através da diminuição de direitos dos governados e aqui é que a coisa se torna interessante. Esses portugueses que queriam um homem forte, não sujeito ao incómodo das eleições, de que direitos estariam dispostos a abdicar: liberdade de informação e expressão, direito à greve, direito, se fossem alvo da justiça, a um processo justo e equitativo? Tudo isso? Aceitariam, por exemplo, julgamentos sumários, com um mínimo de provas e garantias de defesa? Aceitariam a devassa de contas bancárias e documentos pessoais, uma polícia política, o silenciar da oposição, câmaras de vigilância em todo o lado?
O mais certo é não saberem e não terem pensado muito no assunto. Acredito também que muitos têm a nostalgia de um homem aparentemente forte e que nos governou durante muitos anos: Aníbal Cavaco Silva. Antes de mais, não era tão poderoso como isso e tinha tão só a força dos votos que o elegeram. Depois, a força da autoridade que tinha mostrou-a, por exemplo, ao ter recusado uma pensão vitalícia a Salgueiro Maia e tê-la concedido a dois pides. Não sei se os desejosos da autoridade de um ditador sabem quem foi Salgueiro Maia, mas os muitos milhares que desceram a Avenida da Liberdade no dia 25 de Abril sabiam e estão-lhe agradecidos.

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António Ferreira

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